f l u t u a r

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F L U T U A R

verbo
1.
intransitivo
conservar-se à tona de um líquido; boiar, sobrenadar.
2.
intransitivo
estar em suspensão no ar.


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Eu estava flutuando.

Meu corpo inerte e minha mente quase inconsciente sabia disso. Era como estar viva, mas ao mesmo tempo morta. Queria gritar, mas nenhum som saía. Queria chorar, mas meus olhos estavam secos. Queria sentir, mas o quê caberia dentro de um coração lotado?
Eu sou uma acumuladora de sentimentos, acumuladora de mágoas, palavras e remorsos. Tudo ao meu redor vibra, as cores exalam vivacidade, a música tenta traduzir os anseios da alma, mas nenhuma cor, nenhuma nota, nenhum dialeto existente parece ser capaz de explicar o que estou sentindo. Estou parada na frente de uma tela em branco. Pincéis na mão, tintas todas enfileiradas. Celular posicionado no tripé. Mas eu não consigo.

Por que no fundo, eu sou assim. Uma coisa complexa e profundamente inexplicável. Eu mesma não consigo me entender. Isso me incomoda, eu me sinto estranha. Eu queria correr, queria fugir. Me ausentar, sair por aí. Todavia, eu estou aqui. Flutuando pelo espaço em meio a poeira cósmica. Uma incógnita? Talvez.

Eu sou um fato incompreendido. Um nada e um tudo. Um furacão e uma calmaria. O quê eu sou? O quê está acontecendo?
Eu estou flutuando.
Consigo ouvir vozes. Consigo sentir o cheiro do café que vem do andar debaixo. Eu me esforço para encontrar uma forma de sair dessa inércia.
Alguma força precisa vir e me tirar desse vazio.
Me sinto cansada. Me sinto esgotada. Eu quero tanto colorir, eu quero tanto só sentir de verdade. Me encontrar, ser quem eu sou. Conseguir me entender...
Eu só queria colocar para fora então. De alguma forma isso me faria bem, eu acho. Entretanto, não consigo compreender a minha bagunça interna.
Se pudesse me esconder em algum canto e ficar lá até que as calamidades já tivessem passado.

O que fazer quando o tsunami está aqui dentro? Para onde ir? Eu procuro, procuro, e não encontro.

Não me encontro.

Sou um amontoado de células, um sistema altamente desenvolvido. Sou um ser vivente, não um abiótico. Porém tem dias que me sinto como um papel.
Uma tela em branco.

Eu estou flutuando.


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Estrelas Incapazes de Brilhar Where stories live. Discover now