Não é tão fácil assim ser um cupido

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Jennie fazia tudo meticulosamente, colocava os enormes livros de direito em ordem alfabética com uma concentração de dar inveja. Pelo canto de olho eu conseguia ver um pequeno biquinho protuberante. Jennie não costumava falar se algo a irritava ou a deixava chateada, ela engolia tudo e fingia que nada tinha acontecido. Foi assim quando descobriu sobre mim e Lisa aos 15 anos, ela não disse nada, ficou um ano sem conversar conosco e quando voltou agiu como se tivesse se passado apenas uma semana. Jennie era prática e gostava de manter as mãos funcionando, o que era bom porque tudo estava sempre impecável.

— O que foi dessa vez? Continuaram a briga do bar ou foi uma nova? Pelo controle remoto? Para ver quem iria tomar banho primeiro?

Jennie me olhou e sem dizer nada estendeu a mão, um pedido mudo para que eu pegasse mais um livro da caixa e a entregasse para que colocasse em cima da estante. Lisa já tinha ido embora, Jisoo correu para tomar banho e ficamos eu e Jennie nos encarando sem saber o que fazer, até ela fechar a porta com o pé e me jogar um casaco de Jisoo, me lembrando que eu ainda estava nua, e então, começamos com aquele exercício silencioso de arrumar sua nova estante de livros.

Pensei que Jennie fosse me perguntar sobre Jisoo, me xingar por ter deixado que ela voltasse para o dormitório sozinha com Lisa, mas esqueci que esse era o papel de Lisa. Jennie apenas me encarava com aqueles olhinhos felinos e biquinho nos lábios até que eu estivesse pronta para pedir desculpas.

Tentei novamente:

— Ela te chamou de balofi...

— Não diga.

— Está bem — murmurei. Segurei um livro pesado com as duas mãos. — Vocês sempre brigam, o motivo não é importante.

Jennie esfregava a estante como se fosse o móvel tivesse sido mal, como se tivesse xingado ela, quase se desequilibrava do banquinho e as mangas do pijama estavam caídas, os braços balançando de lá para cá. Mas assim que eu acabei de falar ela suspendeu o pano no ar, soprando um fio de cabelo que caía no meio do rosto, para me encarar.

— O motivo é sempre importante, Rosé — ela suspirou, pegando o livro das minhas mãos. — Aquela cretina.... aquela... insuportável. Lalisa acha que é a dona da verdade, Lalisa é o meu tormento pessoal, maldita hora que fui matriculada naquela escola católica idiota, naquela sala idiota, com Lalisa idiota Manoban e...

Eu fiquei completamente assustada, Jennie começou a chorar copiosamente de uma forma que nunca a vi chorar antes (ainda mais por Lisa) e quanto mais "idiotas" ela acrescentava na frase, mais ela puxava o "la" de Lalisa até o céu da boca e depois cuspia o resto do nome, como se fosse doloroso dizê-lo em voz alta. Só me restou puxá-la daquele banquinho e abraçá-la até que se acalmasse.





(...)





O meu professor não era nada didático, muito pelo contrário. Era um velho magricela com mais anos de vida que um molusco tinha tentáculos, andava com a muleta para lá e pra cá, nos encarando por trás dos óculos quadrados e pronto para cuspir xingamentos se ouvisse um toque de qualquer celular.

Mas eu gostava de viver perigosamente, peguei o celular e mandei uma mensagem para a garota a três cadeiras de distância de mim.

Jisoo se virou lentamente, sutil como a garota do Chamado, e me viu piscando para ela. Passei as mãos pelo vestido que caía perfeitamente pelo meu corpo e seu rosto ficou vermelho. Ela impediu com o mindinho que o óculos deslizasse pelo nariz e caísse no chão.

O pigarreio do professor tomou a sala e ela se voltou para frente, se remexendo na cadeira, mas o velhote olhava para mim.

— Senhorita Park, alguma dúvida?

O Plano JWhere stories live. Discover now