Capítulo 01: Jornadas

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Seu punho fechado, tão duro quanto às rochas que o cobriam, desceu com velocidade contra o rosto do anjo ajoelhado, cujos respectivos punhos estavam atados em suas costas com tiras feitas da lava do Abismo. Inquebrável, mesmo que ele não estivesse em estado tão frágil. Sem forças, o ser celestial foi ao chão pela milésima vez naquele dia; mais uma vez caindo diante do ex-Senhor de Guerra.

Kifo tinha um plano. E, quase para humilhar Vizard, colocou-o para torturar prisioneiros. De fato, o fazia viver entre eles. Si próprio era um prisioneiro. A total subordinação do anjo era seu objetivo, e ele estar próximo de conseguir. Anjos podiam aturar bem a dor, fingiam bem não senti-la. Ele sabia como quebrá-los.

Ao canto do quadrado 3x3 que chamava de quarto, sobre a mesa de alumínio. Normalmente, ficava vazia, no entanto, aquele momento era de trabalho e, portanto, suas ferramentas deitavam sobre ela. Entre facas e lâminas que as centenas de milhares de soldados jurados a Kifo tinham trazido de vários cantos do Paraíso, havia uma serra.

Ela brilhava sinistramente, refletindo a lamparina que mal iluminava o quarto. Sorria, sabendo que seria usada; seus dentes eram prova disso.

Pegou-a e a analisou a alguns centímetros dos olhos. Testou o fio com o dedão. Estava pronta para cortar. Voltou para o anjo, que havia voltado a posição ajoelhado, de alguma forma. Usou as correntes das paredes, que um dia prenderam seus próprios pulsos, para esticar as asas de águia do anjo. Posicionou a serra na junção entre as costas e a base das asas. Usando de sua força e um auxílio pequeno da terra, Vizard movimentou a serra para frente e para baixo.

O urro de dor do anjo foi ouvido por todo complexo. Sangue vermelho com pequenos pontos brilhantes prata jorrou a mais de trinta centímetros em todas as direções, sujando ainda mais a roupa que Vizard usava. Sua serra chegou à metade do caminho para total amputação, quando dois soldados pararam diante da porta de seu quarto. Destrancaram. Vizard reconheceu-os: eram seus próprios homens, que agora, pertenciam a Kifo.

– Kifo deseja o anjo. Leve-o para Basílica de São Pedro.

Vizard nada disse, apenas obedeceu. Ele não tinha escolha, pois a ordem daqueles soldados era um ordem de Kifo. E se era de Kifo, ele era forçado a obedecer.

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Amarwen ajoelhou-se diante de seus Senhores de Guerra. O primeiro, com o semblante destruído, de alguém que havia sido derrotado por alguém mais poderoso, porém indigno; alguém que jurara sua lealdade para salvar sua própria vida. Seus olhos preto-laranja, apesar de estarem direcionados para os Filhos do Abismo presentes, fitavam o vazio de sua mente. Se é que a mente de Vizard, o Leão, estava realmente vazia.

O outro mantinha um sorriso tão aberto quanto o de uma criança que acaba de abrir seus presentes de natal, mas perverso, com se os presentes fossem espadas manchadas com o sangue de inocente. Suas asas cujas penas tinham a cor do fogo que destruiu a Casa Branca em 1914 – a alma que Amarwen possuíra era fascinado com a História do mundo – tinham um brilho capaz de congelar Miguel em seu lugar. Kifo era sem dúvida o ser mais poderoso a voar pelo Paraíso, e Amarwen estava feliz em servi-lo, principalmente depois de seu Senhor de Guerra ter sido humilhado por ele.

Diante deles havia um anjo. Seus joelhos forçadamente no chão, ainda mais humilhado do que o próprio Vizard. Suas vestes estavam sujas de sangue vermelho com brilhos prateados; seu rosto estava inchado por causa do espancamento e da tortura. Um de seus olhos nem ao menos abria. Suas asas de águia estavam dobradas e amarradas em um ângulo impossível e doloroso. Nu, o anjo estava quieto, fitando o chão, como se ali visse uma imagem do próprio Criador.

– A missão que trago diante de vocês, meus irmãos, é a mais difícil que qualquer um de vocês consegue imaginar. – Kifo disse, sua voz ecoando por toda a basílica. – Como sabem graças a almas humanas que possuímos, existe um mundo além deste.

Afterlife: AscensãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora