17°- CAPÍTULO

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Um dia havia se passado desde que disse ao Capitão Infâmia que o ajudaria. E, neste momento, estou parada perto da grande porta/rampa do navio, enquanto ela é abaixada por alguns piratas. Hoje iriamos ancorar em uma cidadezinha qualquer, pois, Jin precisava se preparar para ir até à última parte do mapa.

Para minha surpresa, todos no navio podiam sair ser qualquer armadilha por trás, tendo em vista que, todos os homens no navio se juntaram a tripulação por vontade própria, por isso, não era um problema para Jin deixá-los sair quando ancorassem. Também sou a única mulher no navio, e isso se torna desconfortante muita das vezes, embora os piratas quase sempre fingem não me notar.

Como foi aconselhado, além de me trocar, pegando um dos vestidos à disposição no guarda-roupas do quarto em que fico, estou usando uma longa capa com capuz similar à que vesti no dia do resgate na corte do rei. Jin contou que não é bom chamar atenção nessas cidadezinhas, pois, eles podem acionar a guarda do rei local se nos virem, já que ele e sua tripulação são bem procurados.

Jin estava na frente, com Yoongi do seu lado, e os dois são os primeiros a saírem quando a rampa é posicionada no ancoradouro. Em seguida, outros piratas começam a descer, e logo atrás, Jimin e eu também seguimos.

Meu suposto tio disse que deveríamos aproveitar um pouco essa saída antes que passássemos mais dias presos dentro do navio. Ele falou que me levaria em algum lugar com comida boa, visto que, apesar do Tripa de Sangue parecer um pouco mais refinado que o Vingança, comidas de navios piratas ainda não são as melhores.

Atravessamos todo o ancoradouro, escutando as tábuas de madeira estalarem e chacoalharem levemente. Passamos por entre os mercadores que desembarcavam grandes caixotes, e seguimos até o fluxo da cidade, onde, muitas pessoas andavam de um lado para o outro, apesar do dia nublado e frio. Aos poucos, os piratas começam a se separarem, cada um indo para uma direção. Jimin aponta para a esquerda e assim viramos entre alguns comerciantes. Pouco tempo depois, atravessamos uma feira improvisada de joias baratas feitas à mão e outras quinquilharias, das quais, eu não fazia a menor ideia para que servia.

Ao passarmos em frente a um pequeno amontoado de caixotes que formavam uma barraquinha, um dos muitos colares penduras no teto dos caixotes, me chama a atenção: ele tinha o cordão preto e amarrava uma pedra azul-turquesa cintilante, na ponta. Era realmente muito bonito.

Uma trombada contra meu ombro, me faz voltar a prestar atenção no caminho que preciso seguir. Jimin até chega a segurar minha mão, enquanto me guia por todas as pessoas que passavam por nós. Em silêncio, caminhamos por mais alguns minutos até encontrarmos uma pequena e simples bodega.

— Eu já estive nessa cidade uma vez, mas não pude esquecer desse lugar. Aqui eles servem comidas com todos os tipos de molhos e caldas que você imaginar, um melhor que o outro. — Ele olha para mim e sorri, antes de abrir a porta para que eu entre.

Quando entramos, o ar quente e o cheiro delicioso de comida nos recebem. Jimin volta a ficar do meu lado e me leva até uma das mesas vazias. Logo alguém surge para anotar nossos pedidos, e Jimin pergunta se pode escolher por mim e eu acabo dando de ombros, então ele pede duas massas de trigo com calda de amoras.

Em silêncio, o percebo me fitando enquanto ainda mantém seu sorriso, mas tudo que faço é prestar atenção nas pessoas dentro da bodega, observando os detalhes, pois, apesar de tudo, eu ainda não me sentia familiarmente ligada a Jimin.

Não demora até que nossos pedidos cheguem, fumegantes e aparentemente apetitosos.

— Pedi especificadamente calda de amoras, porque me lembro que você costumava gostar muito dessa frutinha quando era criança. Com frequência sua mãe saia do mar só para pegar alguns ramos para você.

— Onde ela está agora? — Pergunto, após usar os meus talheres para corta a massa de trigo coberta de calda vermelha-arroxeada.

Jimin repete meus gestos, enquanto sorri de forma pequena e triste.

— Desde que nasceu, sua mãe tinha uma saúde muito frágil e isso nunca melhorou, então, quando você tinha quatro anos, ela acabou morrendo. — Ele explica e logo depois come um pouco de sua massa de trigo, como se quisesse ocupar a boca para não se aprofundar mais nesse assunto.

Me sinto estranha, porém, não posso dizer que chegava a ser tristeza. Aparentemente, os meus pais de sangue morreram, mas por não ter nenhuma lembrança deles, não consigo ficar devidamente triste com essas revelações. Na verdade, quando pense na palavra "pais" os que me vêm em mente são Agness e Zac, aqueles que me criaram e me deram todo seu amor, os únicos em minhas lembranças. E só de pensar neles o meu coração se aperta de forma verdadeiramente triste, pois, eles eram tudo que eu tinha.

— Você pode me contar como é a vida... lá embaixo? — Pergunto, me sentindo completamente boba, já que toda essa história de sereia ainda soava como conto de pescador.

Jimin se anima um pouco.

— É bem similar a vida aqui na terra. No mar também existem os reis e rainhas, a hierarquia é algo muito respeitado lá. Há um povo fiel que segue seus soberanos, mas ninguém precisa trabalhar, como aqui, por exemplo. Os áqueos são ricos em riquezas naturais e nós não precisamos de ouro no mar, embora tenhamos muitas pedras preciosas, das quais, os humanos nem sonham da existência. Tudo no mar é dividido, inclusive o dever de proteger nossos reinos, povos e animais aquáticos.

— Parece muito melhor do que aqui. Aposto que lá ninguém precisa se preocupar com piratas te sequestrando. — Comento, enquanto deslizo meu garfo pela calda de amoras.

Jimin ri baixo.

— Realmente a relação dos humanos e dos áqueos, não é das melhores, e pode parecer loucura, mas acredite quando digo que os piratas ainda nos entendem melhor que os outros humanos. — Ele diz e eu arqueio uma sobrancelha, desdenhosa, o que o faz rir de novo. — Diferente dos outros, eles têm uma consideração maior com o mar e com as criaturas que vivem nele. Existe uma regra pirata que diz: "se os do mar não mexerem conosco, não mexemos com eles. Devemos respeito, pois, estamos velejando sobre suas casas". Piratas são uma ameaça maior para quem vive na terra.

— Acho que sei bem disso. — Falo, sem humor.

Jimin ri de novo e finaliza sua pequena refeição. E confesso que apesar de ainda não me sentir completamente intima, o clima entre nós, parece cada vez menos tenso.

Seus talheres batem no prato vazio e manchado com resquícios de calda. Seus olhos me fitam com um pouco mais de seriedade, enquanto percebo algumas mulheres ao nosso redor o admirando. Não sei ao certo sua idade, mas ele parecia jovem como eu, o que já era um pouco estranho, mas, de qualquer forma, fisicamente essas mulheres eram velhas demais para estarem tão interessadas nele. Não nego que seus traços são chamativos e bonitos, sempre me parecendo familiares.

Suspiro alto, deixando o resto da massa de trigo no prato. A calda está muito doce e se tornou enjoativa demais.

— Posso perguntar como foi seu último dia?

— Acabei dizendo para o Capitão que o ajudaria, mas eu não tive outra escolha. — Dou de ombros.

Jimin assente sutilmente.

— E pensou sobre o que conversamos? — Seus olhos pequenos brilham com expectativa.

— Ainda estou pensando. Desculpa, mas tudo isso ainda está rodando na minha cabeça. É difícil demais assimilar tudo que você me contou, porque parece como se fosse outra vida que tive, uma passada. — Confesso.

— E é exatamente isso, Serena. — Ele fala com firmeza, mas sem deixar de ser cuidadoso. — Essa é sua vida passada, a do fundo do mar. Sei que você se agarrou a vida na terra, mas, por favor, não tente apagar o seu passado... o seu pai.

Tenho vontade de suspirar de novo quando um grande pesar surge, como se uma tonelada fosse jogada nos meus ombros. Mais que tudo, eu gostaria de me lembrar do que Jimin me contou, mas eu simplesmente não conseguia e isso já estava começando a me fazer sentir culpada.


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SIRENA DEL ATLANTIS || KTHWhere stories live. Discover now