três

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Deu Química!

Prólogo: minha pessoa (três)

As pizzas já estavam chegando, e Lucas ainda não estava lá. Artur tentou disfarçar a ansiedade. Mexeu no aparelho de rádio, assistiu a algumas cenas da sua série favorita, folheou livros, conversou com a mãe e tentou não olhar o celular.

Ele vai vir. Ele nunca deu um bolo.

Perto das oito da noite, a campainha tocou.

— Devem ser as pizzas — disse Artur, com o maior desânimo.

— Vai lá, filho, abre a porta. Se for o entregador, volta aqui pra pegar o dinheiro.

Agora era difícil disfarçar. Ele não andou até a porta, foi se arrastando. Abriu querendo ver só uma pessoa no mundo todo.

E viu.

— Ah, você veio!

Artur puxou o amigo para um abraço apertado e carinhoso, como era de costume. Não notou a secura no outro. Lucas não compartilhava da mesma animação, pouco falou, tornando-se mero ouvinte da explosão de palavras vindas de Artur. Cumprimentou Sabrina, parabenizou pela conquista e ficou lá, com a mesma expressão desanimada, querendo que a noite terminasse o mais rápido que fosse possível.

Minutos depois, as pizzas chegaram. Calabresa, muçarela, pepperoni e portuguesa. O cheiro que escapava junto ao vapor fazia com que os três ficassem com água na boca.

— Meu pai disse que aquela delegacia é uma bagunça. Vai gente reclamar de qualquer crime — Lucas pontuou, entre um pedaço de calabresa e outro. — Você não tem medo?

— Seu pai tá certo, as pessoas vão lá pra reclamar até de roubo de celular, mas está bem. É o nosso trabalho.

Artur não tirava os olhos de Lucas, e na verdade nem estava a par do assunto que ele e a mãe conversavam.

— E o medo. Você tem?

— Medo de quê?

— De trabalhar na delegacia. Ser policial.

— Seu pai tem medo lá da fábrica?

— Bem... acho que não.

— Então, eu também não tenho. É um trabalho como qualquer outro, não é que nem na tv.

Com o tempo, o assunto acabou, e a pizza também. O silêncio constrangedor, comum às situações de adultos e adolescentes, prevaleceu. Sabrina entendeu que era para deixar os jovens sozinhos.

Para aproveitar que Lucas estava em casa, Artur o convidou para jogar video game ou assistir alguma coisa na internet. O amigo aceitou, meio relutante.

Foi só no quarto, vendo o olhar de Lucas, que Artur percebeu que alguma coisa estava errada.

— O que foi, amigo? A pizza tava ruim?

— Não. Não é isso. É... vou ser bem direto. Acho que a gente precisa passar menos tempo junto.

Artur fechou a cara. Nunca imaginou que Lucas um dia diria isso, ele não parecia incomodado nas vezes que se encontravam.

— O que aconteceu? Você tá chateado comigo?

— Eu... eu sei que eu sou seu amigo, seu parceiro.. Como é o nome?

Artur revirou os olhos, e sorriu:

— Minha pessoa.

— Isso, isso. Sua pessoa. Mas é que eu passo tempo demais aqui, e não consigo sair com os outros amigos. Sabe, a Mel e os vizinhos são... — Lucas foi interrompido por um resmungo quando falou o nome de Mel, mas prosseguiu: — São amigos legais. E eu prefiro me afastar antes que alguém se magoe.

— Eu não entendi. Qual o problema?

— Artur, vai ser melhor assim.

— Você nem nunca me chama de Artur. É sempre Tutu.

Lucas não disse mais nada. Segurou no ombro de Artur, e torceu para que ele não começasse a chorar copiosamente.

Sabrina não entendeu quando poucos minutos depois de terem ido para o quarto, Lucas já estava de saída. Artur não foi nem levar o amigo na porta, como costumava fazer.

Lucas saiu por uma porta, e Artur trancou outra.

Parecia que Lucas era a pessoa de Artur. A recíproca não era verdadeira.

Agora as semanas tinham uma cara triste. Artur sempre via Lucas andar com o grupinho de Mel, sem olhar para trás. As sextas não tinham mais a mesma graça, jogar video game sem o amigo que jogava tão bem não fazia sentido.

Toda vez que algum canal exibia ABC do amor, Artur assistia, tamanho coração partido.

Grey's Anatomy, sua série favorita, virou programa ingrato por algum tempo. Ele não suportava ver que Meredith Grey estava feliz no relacionamento enquanto ele mal mantinha uma amizade.

O rapaz que era introvertido se fechou ainda mais no mundinho das cantoras oitentistas e dos filmes que quase ninguém gostava. Guardou-se numa caixinha, como se o exterior não fosse digno de tê-lo.

Lucas não explicou o que aconteceu, porém já tinha certo discernimento para entender que nossas escolhas nos movem. E ele tinha escolhido romper com Artur, obedecer ao intento maldoso de Mel. Bem que sempre ouvia a mãe dizer que se faz de tudo por um rabo de saia.

Ele não ganhou o beijo, mas a possibilidade se tornou real. Mel, implacável, queria mais. E o que Lucas podia fazer era ganhar tempo.

(...)

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