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Deu Química!

Prólogo: minha pessoa (um)

Campo Grande, RJ. 2013.

O que você responde primeiro quando alguém pergunta do que você gosta?

Artur Damasceno sempre gostou de Grey's Anatomy. Se perguntassem do que ele gosta, era a primeira coisa que responderia, sem qualquer dúvida.

Ele achava que essa era uma das características mais interessantes sobre si. A forma como ele se envolvia com cada caso, cirurgia e cena impressionável poderia dizer muito mais sobre seus anseios que qualquer outra definição, mas a verdade é que Artur não dava a mínima para a medicina. Importavam, sim, os princípios básicos que tornaram a série um fenômeno: amor e amizade. Em cada caso, cirurgia e cena impressionável havia amor e amizade.

Talvez fosse por isso que ele sempre chorasse com as armadilhas do destino de personagens fictícios. Poderia ser algum amigo dele!

Sobre o mundo ficcional, Artur era um grande entusiasta. Decorava as paredes com pôsteres de cantoras dos anos 80. Ele sabia que na verdade nenhuma delas era superlegal como nos pôsteres. Todas criavam um personagem. Tudo aquilo não passava de ficção, e isso agradava.

Quando a mãe não estava em casa, ele colocava o som no último volume. Usava o espelho do banheiro, enquanto amarrava uma faixa na cabeça, e podia passar um pouco do lápis de olho da mãe. Corria de uma extremidade a outra do corredor do segundo andar performando. Era o único momento e espaço em que podia performar.

Na escola, poucas pessoas demonstravam querer sua amizade. Até tinham uns que lançavam olhares amistosos e investiam em assuntos aleatórios, só que colegas todo mundo tem, não é? Só lhe restava ser o nu e cru Artur Damasceno, que não podia nem inventar que faria uma viagem até a Disney em dois anos, ou que o pai já recebeu um e-mail da casa branca. Ninguém queria saber... ou melhor, talvez "ninguém" seja um exagero.

Uma pessoa queria saber.

— Lucas Menezes, treze anos, saúde boa, em forma. Está cansado por sempre ter de carregar a partida de Call of Duty nas costas. — Artur lia um dos seus cadernos como se fosse um prontuário toda vez que Lucas chegava na sua casa, uma tentativa desesperada de fazê-lo telespectador da série médica. — Como está se sentindo hoje?

— Me sinto bem, ainda não cheguei ao ponto de assistir a uma série médica de nove longas temporadas.

A amizade dos dois era estranha. Falavam pouco na escola, mas eram inseparáveis na vizinhança. Conheciam um ao outro há muito tempo, e desde então consideravam a definição de melhores amigos.

Nas noites de sexta feira, sempre pediam aos respectivos familiares para dormir fora, ora ficavam na casa de Artur, ora decidiam que era a vez de ir para a casa de Lucas. Jogavam video game, maratonavam filmes trash de terror, assistiam filmes adultos! Em véspera de prova, estudavam juntos.

E Artur podia ser quem era. O jovem que gosta de música antiga e não precisa inventar nada pra impressionar, Lucas já conhecia suas nuances e surpresas.

Quando Artur insistia bastante, conseguia fazer o amigo assistir a um ou outro episódio de Grey's Anatomy.

— Olha, aproveita que tá passando um dos meus favoritos na Sony! — Ele dizia, enquanto verificava a programação no guia de canais. — É o da minha pessoa.

— Minha pessoa? Artur? — Lucas se fez de confuso.

— O conceito de minha pessoa, seu bobão. Não é sobre mim.

— Acho que já vi garotinhas de doze anos falando sobre isso no face.

Artur desviou da almofada que fora atirada pelo amigo, entre gargalhadas, e apertou o botão no controle remoto.

— Se você não tiver paciência para assistir, eu posso explicar tudo.

— Tá, pode explicar.

Pensando bem nas palavras que ia dizer, Artur percebeu parecia uma bobagem. Os dois nunca precisariam desse tipo de confiança, contudo, o interessante era saber que podia contar com alguém dessa forma!

As frases de efeito soavam muito melhor quando ditas da boca dos personagens.

— Você é minha pessoa. Se eu matar alguém, é a pessoa que eu ligo para me ajudar a arrastar o corpo pela sala. Eu confio em você.

Os olhos de Artur brilhavam ao dizer isso. Uma simples sentença retirada de uma série popular traduzia o sentimento que ele tinha por Lucas, ou pelo menos uma parte dele. Confiança, amizade... amor.

O silêncio depois da frase também era muito significativo.

— Então além de médicos, amantes, também são assassinos?

Os dois sorriram.

— Pode deixar, Tutu. Eu vou estar lá se você matar alguém e precisar de ajuda para arrastar o corpo.

E a amizade dos dois seguia, com toques de estranheza, momentos sentimentais, jogos, séries, filmes e esperança.

Artur era uma pessoa especial. E ele achava que Lucas também era.

(...)

Deu Química!Where stories live. Discover now