dois

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Deu Química! 

Prólogo: minha pessoa (dois)

— Se eu achei alguma das perguntas, digamos assim, supérflua? É a palavra mais bonita que eu encontrei pra esconder minha opinião. — Sabrina apertou os olhos e tentou modular o tom de voz. Talvez pagasse um preço a mais por sua ousadia. — A honestidade ainda vale, não é? Sim, achei uma das perguntas bastante idiota.

O homem detrás da mesa de vime desgastada mexeu no óculos, fechou duas gavetas, bateu um bolo de papéis para organizar, tudo isso em menos de dez segundos. Estava assustado. Algo no tom e postura da mulher intimidava.

— Esse é o principal concurso público para a vaga, creio que saiba. As pessoas temem a prova só de ouvir falar.

— É, eu sei, vi que os outros candidatos estavam nervosos, até eu tinha um tico de nervoso quando vim fazer a prova, mas essa pergunta...

Sabrina reparou no nome que acompanhava o distintivo. Estava sem as suas valorosas lentes de contato. Pe.. Pedro? Não, não, Petealgumacoisa. Não é Peter, estamos no Brasil. Ah, sim, claro. Peterson!

— Delegado Peterson — Ela falou em voz alta, e ao perceber, tentou contornar: — Eu não quis rebaixar o processo seletivo, só não achei que perguntas assim existiam.

— Todo mundo fala sobre isso, no senso comum. Você deve estar falando da questão da árvore. Mostre o que você desenhou.

O delegado coçou o bigode antes de levar a mão ao caderno pautado que viu em sua frente, rasgou um pedaço sem a menor cerimônia e passou para a mulher, esperando que ela reproduzisse com perfeição o que tinha feito numa prova de concurso em condições muito mais favoráveis.

— Tudo bem, são dois segundos para desenhar isso.

Dito e feito. O homem olhou para o pedaço de papel, olhou para Sabrina, e sorriu.

— O homem atrás da árvore, hein?

Sabrina achou a pergunta idiota novamente. "Desenhe um homem atrás de uma árvore", num concurso para a polícia civil!

O delegado Peterson, por sua vez, estava satisfeito com a breve entrevista. Os resultados da candidata eram impressionantes. Sem sombra de dúvidas, a mais capacitada.

— Senhorita Sabrina Damasceno, seja bem-vinda à divisão de homicídios — Peterson estendeu a mão. — É moradora de Campo Grande?

— Sim, sou. Moro perto daqui com o meu filho.

O delegado arqueou as sobrancelhas.

— Divorciada, então? Vejo que muitos colegas tem problemas em lidar com o poder feminino. Imagine.

A expressão da mulher, que já não era muito amistosa, foi contraída.

— Meu marido foi assassinado, Peterson. É um dos motivos para eu ter prestado concurso para a divisão de homicídios. Não quero que ninguém passe por isso.

A expressão sorridente de Peterson se diluiu. Mexendo no colarinho, ele tentava desesperadamente pensar no que dizer. Era inútil, ninguém sabia contornar as bolas foras dessa magnitude.

— C-creio que seja um dos nossos casos solucionados.

— Não, não é. O assassino do meu marido nunca foi pego.

E só piorou.

— B-bem. Venha por aqui.

A divisão de homicídios parecia ter passado por uma reestruturação, reforma, ou qualquer outro termo que designava um lugar com aspecto novo.

Deu Química!Where stories live. Discover now