... e o amanhecer chegou, rosado e ledo;
sequei o pranto, e fiz uma armadura,
dando escudos e lanças ao meu medo...
– William Blake –
CAPÍTULO 14
Quando despertou, quase 24 horas depois de internada, Adriana não estava completamente consciente de seu estado, por isso levou alguns segundos para entender o que se passava à sua volta, para reconhecer as vozes que ecoavam em seu ouvido.
− ... Ela vai ficar boa, doutor?
− ... o antebraço esquerdo e uma costela foram fraturados, e tivemos de fazer uma cirurgia, colocar pinos. Quanto aos hematomas, não demorarão muito a sarar... Precisará ficar internada mais alguns dias e, quando tiver alta, deverá fazer fisioterapia. Mas ela irá se recuperar...
− ...Quando me ligaram, doutor, eu fiquei desesperado. Parece que ela reagiu a um assalto e o maldito ladrão a espancou sem nenhuma piedade...
− Beto?! Ah, seu mentiroso, desgraçado! – tentou falar Adriana, ao reconhecer a voz do marido, mas nenhum som saiu de seus lábios. Ela tentou também abrir os olhos, porém seu cérebro parecia não atender a nenhum de seus comandos.
O médico disse suavemente:
− Tenha calma, meu rapaz, sua esposa é forte e vai se recuperar. Não ficará com nenhuma sequela. Ainda bem que ela foi esperta e protegeu o rosto, caso contrário teria sido pior. Muito pior.
− Graças a Deus, doutor. Não sei o que faria sem ela...
Adriana continuou tentando reagir, mas como seu estado oscilava entre lampejos de consciência e alucinações, tornou a resvalar para o sono tão rápido quanto despertara. Dormiu por mais dezoito horas e quando voltou a acordar, não se lembrava de nada.
− O que aconteceu? – perguntou a uma enfermeira baixinha e encorpada, que havia acabado de entrar em seu quarto.
− Você não lembra?
Adriana meneou a cabeça. Sua mente parecia completa e estranhamente vazia.
− Não se preocupe com isso agora – tornou a enfermeira com um sorriso suave, tranquilo. – Logo vai se lembrar de tudo.
Adriana continuou deitada, tentando lembrar. Mas levou alguns longos segundos para a percepção retornar ao seu consciente. As cenas foram voltando aos poucos e em camadas, e, conforme isso acontecia, sua raiva ia crescendo, multiplicando-se. Desgraçado. Covarde!
Ao meio-dia, Roberto apareceu com a cara mais cínica que ela jamais vira em toda a sua vida.
− Como está se sentindo, meu amor?
Ela sentiu a raiva inflar em seu peito, e desejou gritar veementemente para que ele fosse embora e a deixasse em paz. Mas apenas lançou-lhe um olhar de desprezo, quando ele se aproximou de sua cama com um buquê de rosas vermelhas em uma das mãos mão e sua velha boneca de pano na outra.
− Letícia pediu para lhe entregar isso – disse Roberto, antes de colocar Leninha ao lado de Adriana.
As lágrimas afloraram quando ela roçou os dedos pela boneca. Letícia nunca se separava dela.
− A minha filha... Como está a minha filha?
− Ela está bem – respondeu ele, enquanto ajeitava as flores num vaso sobre uma mesinha ao lado da cama.