Quando você ainda me ignorava

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Os olhos de Adele estavam fixados nas curtas unhas da morena sentada duas fileiras à sua frente. Já seus ouvidos, no barulho impaciente que elas faziam contra a mesa. Após todos aqueles anos, Carla continuava bonita, com suas sobrancelhas grossas, cachos castanhos volumosos e corpo esguio. Os braços dela eram finos e cobertos por pêlos, algo que Carla sempre havia odiado, mas Adele lembrava de adorar a sensação deles em seus dedos.

Dois meses se passaram desde que as aulas da faculdade começaram. Dois meses frequentando a mesma aula toda semana. E, ainda assim, Carla não olhou em sua direção uma única vez. Doía, mas talvez fosse melhor assim. Sobre o que elas iriam conversar, de qualquer forma? No melhor cenário, sobre como as duas destruíram qualquer chance de reconciliação entre elas. No pior, talvez Carla tirasse alguns dentes dela com um murro.

— E isso conclui a aula de hoje. Podem se retirar — O professor anunciou, tirando Adele dos seus devaneios.

Existia um acordo silencioso entre as duas para evitarem sair ao mesmo tempo. Uma delas sempre fingia estar arrumando suas coisas por tempo o suficiente para a outra sair pela porta. Naquele dia, aparentemente era a vez de Carla se atrasar, pois ela digitava em seu celular sem pressa.

Adele tentou ir embora o mais depressa possível, mas logo se arrependeu quando seu quadril se chocou contra a quina de uma das mesas. Sua mente estava tão distraída que ela sequer notou o caderno que havia caído da sua mochila aberta no impacto. Isto é, até que alguém cutucou seu ombro.

Seus olhos encontraram os olhos castanhos de Carla, estes exibindo uma expressão indiferente. Muito tempo havia se passado desde o último contato visual entre elas, e aquilo deixou Adele ainda mais desconcertada. Tão desconcertada que Carla teve que estalar os dedos perto do rosto dela.

— Você me ouviu? — Ela ergueu o caderno para que Adele pegasse — Isso é seu.

Os dedos ligeiramente trêmulos de Adele alcançaram o objeto com cautela, e as pontas deles roçaram as unhas afiadas de Carla, que instintivamente retraiu a mão como se tivesse tocado numa panela quente. O rosto dela, porém, permaneceu impassível, até mesmo entediado.

— Hum... Obrigada — Adele se lembrou de responder depois de um instante. Ela permaneceu parada em frente à porta, segurando a alça da mochila com uma mão, e o caderno na outra.

— Tanto faz — Carla deu de ombros e contornou a loira para sair, evitando calculadamente qualquer outro contato.

Adele observou ela ir embora com um suspiro pesado. Então era assim. Carla iria agir como se não a conhecesse, como se nada tivesse importado. Isso era pior do que raiva. O coração de Adele apertou, e ela se perguntou como as coisas haviam chegado àquele ponto. Aquela costumava ser a sua melhor amiga. Sua única amiga.

No fim do corredor, uma mulher alta aguardava por Carla. Assim que elas se encontraram, a desconhecida envolveu um dos braços na cintura dela. Continuaram o resto do trajeto daquele jeito, grudadas. Adele custosamente percebeu que ainda estava pregada na porta e, lembrando como se usam as pernas, voltou a andar. Seja quem fosse aquela mulher que devolveu o seu caderno, ela não a conhecia. Carla agia de acordo: elas eram estranhas novamente.

A semana se desenvolveu como sempre. Adele se esquecia completamente sobre Carla quando estava na companhia dos amigos, mas sozinha ela não conseguia se distrair por mais que tentasse. Às vezes elas ficavam muito próximas na fila do restaurante universitário, e tudo que Adele sabia sobre a nova Carla tinha sido extraído de trechos de conversas que ela escutava entre a morena e a namorada nessas filas.

— Adele, você tá prestando atenção? — Julia, sua melhor amiga, perguntou com irritação.

— Total — Ela respondeu enquanto espiava Carla com uma bandeja a alguns metros de distância.

Quando Eu Ainda Amava VocêWhere stories live. Discover now