21. Acordo - Parte I

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Lyss

— Sério, vocês vão acabar esse jogo hoje ou 'tá difícil? — Lucian se debruçou sobre a mesa, os braços apoiados na bancada de vidro. Effy fez um gesto rápido com uma mão antes de organizar uma carta na pilha em cima da mesa. A raposa aos pés da jovem ergueu a cabeça ao ouvir a voz do garoto, as grandes orelhas erguida na pequena cabeça, interessada e curiosa. Carl, irmão de Lucian, não falou nada, os olhos castanho-escuros focados no próprio leque.

Lyss suspirou. Tinha perdido há muitas rodadas anteriores. Não fora fácil jogar com apenas uma mão, mas conseguira arranjar uma forma. Nunca fora muito boa em jogos de cartas, então mesmo se a dupla Effy e Carl não estivesse ali para detonar com Lyss, teria perdido de qualquer maneira.

Agora, sem ter mais nada para fazer além de ficar sentada e esperar a partida terminar, ela olhou para o jardim a sua volta com desinteresse e não se surpreendeu ao ver ninguém. Todos — nobres e burgueses— deveriam estar em suas casas ou resolvendo seus negócios na cidade. Apenas os quatro jovens estavam desocupados o suficiente para jogar uma partida de cartas que já perpetuava há mais de duas horas e meia.

— Argh. — Lucian encostou novamente na cadeira, os braços cruzados diante do peito. Ele fora o primeiro a perder na partida e já estava há quase três horas sem fazer nada. — Toda vez é a mesma coisa! Nunca mais vou jogar com vocês, nunca.

— E toda vez você diz isso. — Effy deu um dos seus raros sorrisos e lançou outra jogada, que fez Carl estalar a língua, irritado.

Lyss observou a garota. Ainda não entendia o repentino interesse da Feiticeira nela. Talvez a estadia no palácio estivesse entediante. Só poderia ser. Effy não parecia o tipo de pessoa que normalmente chamaria Lyss para uma visita ao centro de Aentriv ou a um jogo de cartas com os amigos. Na verdade, ainda não decifrara a garota e nem pensara muito em tal. Estava satisfeita com a insistência de Effy em chamá-la para sair e se divertir. Isso a tirava do estupor da cama, a fazia esquecer um pouco da mão decepada.

— Desiste? — perguntou Effy, as sobrancelhas erguidas.

— Nunca. — Falou o jovem Carl, que não deveria ter mais do que 14 anos.

Lyss pousou o cotoco nas pernas e observou os três adolescentes. Lucian era o mais velho, mas, diferente da maioria dos jovens da sua idade, optara por não entrar no exército e estava cursando o último ano na escola de Infrante. Effy era mais nova do que o amigo, contudo ficara responsável de representar sua família na reunião com o rei. Ela tinha aparentemente um irmão gêmeo que estava treinando para ser um cavaleiro. Carl, o irmão mais novo de Lucian, estudava em casa — pelo que entendera, ele não poderia ir a escola —, porém insistira em vim com a sua família, os Gonzales, para Aentriv. "Não serei abandonado naquela casa velha", resmungou o garoto quando o irmão comentara sobre as condições desfavoráveis do mais novo.

— O que vocês estão fazendo? — uma voz pequena e infantil falou perto de Lyss.

Assustada, ela virou-se para trás, onde uma menininha de vestido azul-claro estava parada. Lyss suspirou, aliviada.

— Jessica. — Cumprimentou.

— O que vocês estão fazendo? — a menina saltitou em volta da mesa, passando por Carl, Lucian e Effy e voltando para o lado direito de Lyss. — Jogando cartas? Posso jogar? — ela ergueu os grandes olhos vermelho-escuros para o grupo, o rosto branco sem um único sorriso. Lyss sentiu uma pontada no peito.

Jessica era uma garotinha de oito anos de idade que estava morando no castelo após a morte dos pais e do irmão de cinco anos no dia do baile. Como única filha do casal restante, a menina herdara o condado da mãe, mas era muito nova para administrá-lo e não poderia voltar para casa porque não tinha parentes vivos para cuidar dela. Então, sem escolhas, foi deixada no castelo. Infelizmente, com a crescente onda de pessoas migrando para o interior para fugir dos ataques dos rebeldes, não havia amas nem babás disponíveis para cuidar da órfã. Jessica ficara abandonada, rondando o palácio a procura de pessoas para conversar. A maioria era criados ocupados demais para oferecer nada mais que uma palavra ou outra. E o restante, os nobres que vagavam pelo palácio, a ignoravam por ser nova demais. O grupo de Lyss parecia ser o único onde a garota fora bem aceita, principalmente pelo Lucian, que compartilhava da mesma energia que Jessica exalava. Não era muito evidente por causa do semblante triste e abatido, mas havia algo, um vestígio, da criança sorridente e energética por baixo daquela casca da garota. No primeiro encontro, a garota mal abria a boca. Depois de semanas, estava finalmente soltando-se, gesticulando e tagarelando como nunca. Contudo, até aquele momento, nenhum sorriso, ou gargalhada, nem ao menos um risinho.

A Lei da EspadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora