9. O Baile

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Alroy

As janelas do cômodo estavam bem fechadas para impedir a chuva de entrar, deixando o quarto escuro e silencioso. O tempo se arrastava como um pequeno verme nojento, o som do silêncio do seu rastejar e a forma como ele se movia em puxões contorcidos e desajeitados estava lhe tirando do sério. Ele estava encarando a porta a trinta minutos insuportáveis, tentando, inutilmente, voltar para seu sonho. Porém, o tédio não estava ajudando, pelo ao contrário, estava deixando-o inquieto.

Alroy jogou as cobertas para o lado e saltou da cama. Abriu sem jeito uma gaveta do seu armário e acendeu uma vela em cima de um pires de café. Não tinha achado o simples candelabro que possuía. Com preguiça, ele lavou o rosto com água fria, sentindo os músculos contraírem e a pele arrepiar-se com o súbito choque de temperatura. Ele suspirou, batucando os dedos na madeira da mesa que conseguira colocar dentro do minúsculo quarto. Afastou bruscamente ferramentas e papeis amontoados, mas tudo parecia piorar na bagunça que ele chamava de área de trabalho. Contas da taverna caíram no chão, próximas do balde que usava como lixeiro. Um som de metal e vidro indicou que não fora apenas papel que ele varrera da mesa.

Entre os documentos cheios de números , um relógio grande de bolso brilhava. Alroy xingou baixinho, vendo o estrago. No vidro, um emaranhado de rachaduras se cruzavam, formando finas teias que o impediam de ver os ponteiros. O objeto também tinha um amassado terrível na lateral onde ficava o botão para dar corda. Aproximou o ouvido do relógio e constatou que as peças dentro haviam se soltado e partido.

Catou algumas ferramentas espalhadas ao seu pé e jogou-as na mesa, abrindo um espaço para trabalhar. Mesmo frustrado com sua falta de jeito, ele agradeceu-se por ter algo que fazer no meio da noite. Alroy puxou a vela para mais perto do relógio e começou a consertá-lo. O tempo deixou de ser uma lesma e transformou-se em uma borboleta que flutuou rapidamente para o sol nascente. As horas pareciam minutos e quando ele ergueu a cabeça para alongar o pescoço, percebeu que da vela não restava nada mais do que um pouco de cera e um curto pedaço de pavio.

Coçou os olhos para a fina claridade que atravessava timidamente a janela e banhava o cômodo. Alroy ergueu-se com urgência, quase batendo a cabeça no teto baixo. Tirou a roupa e trocou para uma mais apresentável, entretanto, quando estava preste a colocar o sapato, a porta de madeira abriu-se com violência, revelando um rosto cinza-escuro muito contorcido. Uri apontou o dedo para ele e recitou um palavrão alto e claro.

Alroy fez um gesto impaciente, enquanto colocava o pé em um sapato.

— Vamos, vamos — Uri gesticulava com as mãos, irritado. — Já tem cliente na porta!

Alroy bufou.

— Se for o Tale pedindo uma bebida forte logo de manhã, eu vou te despedir de uma vez por todas — falou ele, ainda atrapalhado com o calçado. — O que há com... — ele parou a frase, vendo que tentava colocar o sapato esquerdo no pé direito. Exclamou em frustração.

Uri, que parecia ter esquecido que não passava de um simples empregado, andava de um lado para o outro, sempre falando de como eles iriam falir, que a taverna a três quarteirões dali iria vencer, que ele não arranjaria outro emprego... e outras bobagens que um garoto de apenas 18 anos poderia pensar.

— Garoto não — Uri sobressaltou-se quando ouviu Alroy mandá-lo ter mais paciência. — Já sou um homem! Tenho 18 afinal! — Bufou, cruzando os braços.

Alroy revirou os olhos.

— E ainda não sabe tocar uma nota de violão.

Uri exclamou, irritado. Alroy apenas riu e levantou-se. Empurrando o empregado para fora, eles passaram por um pequeno corredor onde se localizava a cozinha e o armazém. A cozinheira, uma Grilo forte e pequena, já batia as panelas, o cheiro de sua deliciosa sopa de carne infestava o ar. Alroy passou dolorosamente faminto pela frente da porta aberta da cozinha, o estômago roncando. Entretanto, ele conteve-se e deu apenas um bom dia a Dona Moly.

A Lei da EspadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora