3. Rachadura - Parte II

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Lyss


Ela estava inquieta. Sem o que fazer, tentava ocupar-se com longas caminhadas pelos corredores do palácio. Mas isso geralmente ocasionava em encontros com a nobreza desagradável ou com burgueses que ostentavam joias e orgulho excessivo. Conversas fúteis, gentilezas falsas e cortesia desnecessária. Seu rosto doía com o sorriso que tinha que preservar nos longos diálogos irrelevantes.

Sozinha no quarto, ela afundou na poltrona da sala social, tirando as apertadas sapatilhas. Se não poderia caminhar sem precisar fingir ser agradável, os únicos lugares que se sentia confortável no palácio eram seu quarto e a biblioteca. O rei era um leitor voraz, que colecionava livros de todo o país e fora dele. Lyss deixava-se vagar pelas páginas de romances, gastando horas sentada em uma sofá na biblioteca, tanto, que quando se dava conta, já estava de noite. Com os membros doloridos e a visão turva, voltava para o quarto, onde um banho quente a esperava.

Mas naquele dia ela estava sem vontade de ler. Ou de sair. Ou de comer. Com as mãos cerradas em cima do colo, ela olhou de soslaio para a porta quando Claire entrou no cômodo com um bordado recém-feito em mãos. Parecia um paninho com a imagem de um cavaleiro montado em um cavalo malhado. Perfeito. Lyss nunca se interessara por costura e abandonara as aulas anos antes, quando a mãe ainda era viva.

Ela esfregou os dedos uns contra os outros. Tinha procurado pela família real. Mika com certeza estava por ali, Lyss avistara seu esposo, o Duque de Iris, conversando com um Conde e um burguês perto do jardim. Mas ninguém vira ou falara da princesa. Nem os nobres, nem os burgueses e muito menos os criados. Nenhum sinal do menino Alec também.

Então, em uma das suas caminhadas, decidiu passar no corredor onde a família real dormia. Mas o andar estava interditado. Infestação de ratos, disseram os empregados. Lyss fingiu acreditar e foi embora.

Dois dias de puro tédio se passaram enquanto os últimos membros para a reunião chegavam. Nobres vindos das terras mais ao sul. Ela reconheceu algumas figuras como a Lady Liriody, Viscondessa das terras de Long River, ou Marquês de Iris, William Foster. Aparentemente, ambos recusaram pegar a linha ferroviária e vieram do modo mais antigo, trazendo com eles alguns de seus seguranças pessoais, um punhado de criados e um ou dois parentes próximos. Lyss ergueu-se do sofá e olhou a paisagem por trás da janela da sala social. Não era espetacular como a vista das suítes mais ao final do corredor, mas era particularmente agradável. Ela observou o menor jardim do palácio, pouco visitado pelos empregados e quase desconhecido pelos visitantes. As flores ainda possuíam o brilho da primavera, mas o cansaço do sol de verão. O dia estava tão quente que Lyss desejou voltar para casa só para ficar em seu quarto, mergulhada em uma banheira de água fria, aproveitando o som dos pássaros de seu próprio jardim.

Coçou as pálpebras, cansada. Alguém bateu na porta e Claire atendeu. Era um mordomo baixo, de rosto estreito e cabelos feitos de sombra. Ele murmurou algo e ergueu uma bandeja. Nela, uma carta com o símbolo real. Claire a pegou sem cerimônia, batendo a porta no rosto do pobre criado Sombra. Lyss não a repreendeu, mas lançou um longo olhar para o rosto redondo da acompanhante. Claire deu de ombros e entregou a carta para ela.

Quebrando o lacre de cera, Lyss deparou-se com um bilhete prévio que dizia que a reunião aconteceria naquela noite, às 19 horas em ponto na Grande Salão. Suspirando, ela sentou-se, uma mão massageando as têmporas. Ainda eram 3 da tarde. Claire a ignorou, desaparecendo em seu quarto.

Lyss descansou a cabeça na poltrona, a mente vagando pelas perguntas que a assombravam desde que o mensageiro Clay batera na porta da sua casa. Não soube dizer quando dormiu, mas, quando acordou, o quarto estava uma bagunça. Seu vestido voou centímetros de distância diante de seu pescoço, alguém gritava para que se apressasse. Ela inclinou o corpo para frente, esfregando com suavidade a testa. Não se lembrava do sonho que tivera, entretanto a sensação de desespero ficara. Lyss respirou fundo.

A Lei da EspadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora