Um

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Senti o lençol se mexer ao meu lado e seu perfume masculino invadiu meu nariz me deixando sem rumo. Ele resmungou e se virou; seu sono era intenso e eu me peguei imaginando como Beto tinha se tornado um ogro comigo. Não éramos mais felizes juntos, ele me tratava como um animal e me fazia de criada. Chegava bêbado e drogado nas madrugadas e me batia como se eu tivesse feito algo de ruim, mas eu somente o aguardava durante horas com o jantar na mesa, às vezes até molhava a comida com minhas lágrimas. Eu só conseguia ter calmaria durante o dia, quando ele saía e eu ia fazer faxina na casa das mulheres mais velhas da comunidade para juntar uma grana para sair dali o mais rápido possível.

Deitada ao seu lado na cama, eu não sabia como nós havíamos nos destruído. Beto era o cara mais lindo que eu havia conhecido em toda a minha vida, ele tinha características de modelo quando eu o conheci e me apaixonei, mas agora ele estava acabado. Eu estava de olhos fechados, mergulhada em lembranças boas. O telefone tocou, abri meus olhos, deixei minhas memórias para trás e voltei à minha realidade. Eu necessitava fugir dessa vida.

Na ligação era dona Lúcia, uma senhora de setenta e seis anos, desejando minha presença em sua casa às nove e meia. Ela costumava me chamar todos os sábados alegando a visita de seu filho e necessitava da casa brilhando. Era uma boa senhora, me pagava muito bem e ainda me tratava como uma neta.

Uma ducha e uma xícara de café bem forte foi o suficiente e logo me vi totalmente acordada e arrumada. Saí antes do meu namorado acordar e observei a bela vista da cidade maravilhosa do alto da comunidade, eu daria de tudo se conseguisse ir nadar no lindo mar durante a tarde, mas era um sonho bem distante.

Quase nunca desci o morro. Moro no Vidigal desde bebê, minha mãe trabalha em uma mercearia e meu irmão Lucas está atrás das grades. Minha vida não é a das melhores.

Passei na mercearia e dei um beijo na minha mãe antes de continuar meu trajeto até a casa da dona Lúcia. Contei um total de sete homens com armas nas mãos fazendo a escolta de uma das ruas do morro, todos melhores amigos e aliados do Beto — dono do nosso lugar — diga-se de passagem.

A casa da senhora Cruz não era diferente das demais, os móveis eram velhos: um sofá, duas cadeiras e uma mesinha constituíam a sala de estar. Abri as cortinas e as levantei na janela.

Fui até a cozinha. Vi três tigelas e alguns talheres sobre a bancada aguardando serem lavados. Abri o armário: frutas cristalizadas, macarrão instantâneo, cereais. Andei o resto da casa acendendo as luzes, a iluminação ali era horrível.

— Você já está aí? — perguntou a voz conhecida e virei-me ligeiramente com um sorriso no rosto. — Se continuar entrando muda algum dia ainda irei lhe dar uma vassourada na cabeça, Maria Beatriz.

— Perdão, senhora. — falei e Lúcia assentiu.

— Vou ao mercadinho, assim você cuida da casa melhor sem uma velha zanzando aos cantos. — ela sorriu e eu continuei a olhando com um sorriso agradável.

Realmente era melhor arrumar tudo sem ninguém dentro a não ser eu. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo e comecei a faxina no banheiro. Não tinha muita coisa, mas ainda assim eu iria deixar tudo brilhando.

Na estante da cozinha, achei um velho álbum de fotos e sentei-me na cadeira ao redor da mesa, curiosa. Haviam diversas fotos da dona Lúcia com uma mulher mais nova, seu filho, alguns netos bebês. Tudo era muito antigo e me traziam nostalgia da minha infância.

— Vó Lúcia? — ouvi uma voz masculina desconhecida e levantei-me como se tivesse fazendo algo de errado, guardei o álbum em seu devido lugar e virei-me dando de cara com um homem moreno me encarando como se eu fosse uma ladra. — Quem é você?

All Star | XamãWhere stories live. Discover now