Capítulo 01 - Voltando no Tempo

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Balancei a cabeça e entrei em casa. A casa em que morávamos era pequena, nos fundos da mercearia. Um quarto para os meus pais e outro para os demais, na parte de cima. No piso inferior, uma sala e uma cozinha. Conforme os anos foram passando, e os filhos foram ficando adultos, foi necessário que alguns dormissem na sala.

Minha mãe, não contente com seus cinco filhos, trouxe minha tia e sua filha para morar conosco. Por mais que entendíamos que elas não tiveram outra alternativa, não estava sendo fácil. Além da parte financeira, que apertou bastante, minha tia tinha uma doença complicada: transtorno de personalidade bordeline e tendências suicidas. Demorou para ser diagnosticada e quando entrava em crise deixava a casa em estado de alerta. Nem mesmo seu marido a suportou. Meu tio, um homem de bem, assumiu a responsabilidade do filho menor e a menina deixou com a mãe.

Caracterizado por um padrão generalizado de instabilidade e hipersensibilidade nos relacionamentos interpessoais;

— Catarina, sua mãe quer me bater — reclamou minha tia, assim que me avistou.

Aproximei-me dela e a fiz sentar-se. Ajeitei seus cabelos e alisei seu rosto.

— Não quer não, tia. Ela só quer o seu bem, mas você tem que colaborar. — Peguei em seu queixo a e fiz me olhar. — Garanto que não tomou seu remédio. Sabe o quanto é difícil para conseguirmos, não sabe? — Ergui as sobrancelhas e inclinei a cabeça para o lado.

Ela baixou o olhar e confirmou com um aceno. A briga era sempre a mesma. Minha tia achava que estava curada e parava de tomar o remédio. Quando percebíamos, já estava em crise novamente. Minha prima, sua filha, era a primeira que sumia. Dona Rosalva fazia todo o sermão, por ela não ter tomado o remédio, e a ameaçava colocá-la em uma clínica. E no fim das contas, eu era a única que tinha paciência de ouvi-la e convencê-la voltar a tomar o medicamento.

— Agora, vem, vamos tomar um banho. — Peguei em seu braço a ajudei ficar em pé. O cheiro forte, da falta de banho, embrulhava o estômago.

❦❦❦

A rotina da nossa casa era no mínimo curiosa – por estarmos na capital de São Paulo. Mesmo eu e meus irmãos tendo nascido na cidade, nossos costumes eram do Nordeste. Apesar de o meu pai ser mineiro, as raízes e personalidade fortes da minha mãe, se sobrepuseram.

Nosso café da manhã era composto por: carne de sol, farinha de milho, mandioca, ovos, e – às vezes –, feijão. Todos falavam alto, de boca cheia, e não se preocupavam se tinha onde sentar. O importante, até hoje, é que se alimentem e mantenham a união que, indiscutivelmente, sempre esteve presente. Somos cúmplices um dos outros, mesmo que entre nós haja brigas fenomenais.

Dentre todos, sou considerada a diferente. Talvez por ser a mais nova e a única loira. A pele morena e cabelos crespos da minha mãe, foram predominantes na formação dos meus irmãos. Já eu, nem pareço pertencer à mesma família. Não fosse o fato de eu ter puxado completamente para a família do meu pai, diriam que sou adotada.

Não é só a aparência física que me difere dos demais. Minha sensatez tornou-me a mediadora, mesmo sendo a mais nova. O fato de eu pouco brigar, acabou me aproximando muito da minha mãe. Na maioria das vezes, ela me ouve. Sem contar que, quase tudo que barganho com ela, consigo. Com o meu pai não é diferente. Ele é mais fácil do que ela.

Como morávamos muito tempo no mesmo lugar, conhecíamos todos os vizinhos. Mesmo os que não estavam na mesma rua. A região era considerada uma área perigosa da capital. Na rua de trás, tinha uma grande comunidade má afamada. Tudo acontecia por lá. Infelizmente, era comum ouvir-se tiros e quando chegavam "pacotes de bagulhos" soltavam rojões. Por vezes, quando precisava-se chegar mais tarde, as pessoas encontravam as ruas fechadas por policiais, jogando lanternas fortes em seus rostos. Depois de uma boa revistada no carro e de todos se identificarem, podia-se entrar. 

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