Capítulo 13

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Yumi ficou completamente desperta, e se descobriu no meio de um pesadelo cuja pior parte era que talvez nunca acabasse.

Estava deitada em um aparelho que sabia se tratar de um assimilador Borg, uma espécie de maca fria e dura, presa pelos membros e tronco por tiras de metal maleável.

Ao seu lado, equipamentos apropriados para torna-la parte da coletividade, como braços mecânicos acoplados a brocas, serras quase transparentes de tão finas e bisturis de plasma. Um emaranhado de fios e peças que seriam parte do corpo dela, em breve, aguardavam sua carne ser cortada para serem incorporados.

Foi por isso que ela se desesperou e tentou se livrar, sem nem ao menos chegar perto de conseguir. Estava se sentindo fraca.

Dois Borgs estavam ali, um de cada lado, e apenas olhavam, esquadrinhando Yumi calmamente com seus olhos de vermelho laser. Pareciam esperar alguma ordem para iniciar a assimilação, e os minutos que perdiam eram irrelevantes perante a eternidade da existência coletiva.

Quando Yumi se convenceu da inutilidade de lutar contra a situação, deixou todos os músculos relaxarem, e os Borgs prestaram muita atenção naquele momento. Esperavam por aquilo... Fazia parte do processo!

E ela estava ciente também. Sua respiração ficou mais lenta e profunda, e as vozes entraram em sua mente. Não claras e compreensíveis, mas como um murmúrio proferido por bilhões de seres aprisionados nas sombras, recitando uma espécie de mantra hipnótico.

O Borg ao lado direito esperou que ela o visse, e quando seus olhos se conectaram, ele disse sem usar a boca:

— Resistir...

E Yumi Musashino, arrepiada da cabeça aos pés, concluiu:

— É inútil!

Foi então que os braços mecânicos se moveram, e uma broca muito fina abriu caminho na têmpora dela, rasgando sua pele sintética, atravessando a placa craniana artificial até atingir seu cérebro de androide Centan.

As vozes passaram a emitir uma única nota grave e contínua. O fim do suspense e o início da incorporação.

O mesmo aparelho introduziu uma sonda de assimilação, e ela se multiplicou com velocidade fantástica no organismo de Yumi, utilizando os elementos do corpo dela. Quanto mais se espalhavam pelos mecanismos e fluídos de seu corpo, mais a mergulhavam na onda entorpecedora do campo Borg. Sua mente estava sendo aprisionada dentro de si mesma, mas fora de seu corpo, do qual era expulsa por uma força de repulsão fora de seu controle.

Seu katra foi jogado para fora de seu corpo mecânico, e ela teve noção daquilo como se acabasse de acordar de um sono de muitos anos. Ainda estava presa a ele, mas outra coisa tentava tomar posse do que era dela.

Sentiu-se em pé e viu seu corpo estendido na maca de assimilação, ligado a máquinas estranhas. Havia uma criatura feita de sombras fosforescentes, cinzenta, vestindo seu corpo de androide, mas que parou e olhou para ela. Estava assustado, pasmo, surpreso por perceber que Yumi estava consciente, por isso ficou imóvel com seus olhos escuros voltados para ela.

Yumi notou que os dois Borgs que velavam seu corpo não eram apenas dois, e sim quatro. Cada um deles era uma criatura sombria controlando um corpo que não pertencia a ela, e carregava ao seu lado um katra adormecido em sono hipnótico.

Mas com Yumi a coisa havia sido diferente. Ela estava vendo tudo e não era atingida.

Era um katra Centan dando vida a um corpo artificial, e a coletividade havia se dado conta daquilo tarde demais.

Mas ela soube. Recém-desperta pela assimilação, Yumi lembrou-se de quem era, e daquilo que deveria fazer.

Yumi era uma arma!

Um vírus consciente de liberdade para infectar a coletividade, construída pelo seu pai e aceita para atuar onde estaria mais próxima de entrar em contato com os Borgs: a Frota Estelar.

As coisas ao seu redor tomaram outra dimensão. Ela estava dentro da coletividade, mas não fazia parte dela. Dali podia ver tudo o que significava a existência Borg, e teve consciência de que não estava sozinha.

O katra coletivo, uma legião imensa de consciências ressonando na mesma frequência, teve sua atenção irresistivelmente atraída para Yumi: aquela anomalia.

Como alguém poderia estar desperto naquela zona de corpos mentais? Aquilo nunca havia ocorrido antes, certamente porque até então os Borgs não haviam assimilado um androide Centan, cujo katra estava acostumado à sua prisão artificial.

Nada ali era novidade para Yumi. Uma recordação adormecida em sua mente surgiu, onde seu pai dizia a ela tudo o que deveria fazer, enquanto seu katra era sugado para a prisão de matéria do corpo de androide. Ela conhecia sua missão. Sabia que tinha que destruir a coletividade atacando por dentro dela.

Milhares de pares de olhos sombrios estavam imantados nela, todos pertencentes aos Borgs daquele planeta. Mas não eram apenas eles. Muito além, e mais do que a visão comum permitiria, Yumi era o centro da atenção de bilhões de olhos pasmos e suplicantes. Toda a coletividade havia parado, e ela descobriu com violência que era o centro de uma Via Láctea de seres agonizantes.

Sua consciência cresceu, e a galáxia ficou pequena, cabendo dentro dela. Os Borgs agora a viam como uma imensa estrela que engolia todos eles, invadindo e modificando a rede energética da consciência coletiva.

Mas Yumi se concentrou naqueles que dormiam: os verdadeiros donos dos corpos, nos quais cada terminação nervosa sua tinha uma conexão.

E assim, para o alívio daquela infinidade de criaturas que aguardavam a liberdade como quem busca o ar para sobreviver, o Katra-Yumi, como um arco envergado sob tensão máxima, disparou sua ordem com a intensidade de uma vida, gritando:

— DESPERTEEEEEMMMMM!

E a flecha foi lançada, atravessando cada mente que formava a coletividade, expandindo para todos os lados tal como uma super-nova.

Os primeiros Borgs a caírem foram os que estavam ao seu lado, seguidos imediatamente por todos os que habitavam aquele planeta. Uns ainda vivos, acordados da ilusão hipnótica, outros mortos, incapazes de sobreviver em corpos mutilados pelos implantes.

A onda subiu na velocidade do pensamento, e todos os Borgs da galáxia, em naves ou em mundos distantes, foram desconectados da coletividade.

Despertaram para a liberdade esquecida, muito longe de seus mundos de origem, desnorteados pela nova condição que seus corpos modificados impunham.

Nos quatro quadrantes da Via Láctea, a teia da coletividade foi rompida como um cordão umbilical, estraçalhada pelos assimilados que tomaram consciência de sua individualidade em velocidade bilhões de vezes maior que a da luz. E muitos eventos importantes aconteceram naquele instante, como o surgimento da maior estrela, nascida no centro revoltoso da galáxia.

Quando acabou, Yumi não enxergou mais nada além de si,porque a coletividade havia deixado de existir e a rede mental estavaaniquilada. Por isso voltou a ser um simples katra, como todos os outros, eadormeceu, caindo de volta.

STAR TREK: SÉRIE SPIRITUS - Ep. 6 - Via LácteaWhere stories live. Discover now