Memory.

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A escuridão não tinha fim nem inicio.

Não havia som, apenas a vaga noção de que talvez ela sempre esteve presa ali, sem lembrança de quem era ou de sua própria história.

"Vou estar aqui quando voltar." As palavras dançaram em sua mente. "Vai dar tudo certo..." Elas eram quentes, aconchegantes e estranhamente familiares. Tão diferente do frio eterno que sentia.

"Quando essa porta fechar, jamais se abrirá..." Ouviu novamente, agora o tom era raivoso e assustador, mas foi a lembrança do brilho de incríveis olhos cinzas tempestuosos que a acalmaram. Ela conhecia aqueles olhos e eles eram importantes para ela. Mas por quê?

"Eu fugirei. Eu prometo!" Agora era uma voz feminina, uma voz tão distante como se de outra vida. Era ela. Ela tinha dito aquelas palavras. Mas quando?

A escuridão a sua volta enfraqueceu, inquieta pois não queria que a jovem revivesse aquelas memórias.

Ela viu livros, incontáveis e incontáveis estantes cheias dos mais diferentes livros. Ela amava ler, conseguia lembrar-se disso. Amava a textura do papel, o cheiro das páginas e a calma que sentia quando dedicava-se apenas a apreciar as palavras escritas.

"Tenho uma proposta a lhe fazer... Não adianta negar, você é uma bruxa..." Bruxa? A palavra soou estranha e familiar ao mesmo tempo. Quem ela era? A pergunta piscou como uma vela acesa na escuridão que se agitava a sua volta.

"Você sente a magia em suas veias. A pressão...". Magia, sim, ela sentia a magia em si, fazia parte dela e era ela. E assim a jovem se tornou muito mais consciente das sombras a sua volta, a rondando-a como um predador e assustada entendeu que elas alimentavam-se de sua magia, de suas forças.

"Estará protegida... mas em troca terá que estudar..." Ela agarrou-se as memórias como um náufrago agarra-se à corda de um bote salva-vidas no meio do mar revolto. Ela não se lembrava de si mesma, mas sabia que um dia alguém lhe tinha prometido proteção, alguém cujos olhos cinzas eram mais belos que as tempestades.

As sobram a sua volta responderam e como uma onda que a sufocava ela sentiu o aperto de mãos em seus ombros. "Você não pode contar para ninguém!" Gritou a voz em sua cabeça a oprimindo. "Não posso te perder... Magia a destruiu!" E ela não quis se lembrar.

- Lembre-se da dor. - Falou a voz cruel da escuridão que a rondava como um gato brincando com sua presa.

Ela sentia os toques gelados das sombras que pouco a pouco drenavam suas forças. Mas ela não queria se lembra da dor, da perda e do ódio. Existia mais do que aquilo, mais do que aquela escuridão, existiam olhos cinzas e uma promessa de abrigo. Uma família!

- Família? - Riu as sombras. - Eles mataram sua família!

Mataram? A raiva piscou em seu interior, mas logo ela lembrou-se das risadas de uma ruiva que era sua confidente, e do jovem moreno de óculos redondos que era como um irmão. Eles estavam vivos, ela sabia disso e sabia, também, que eram sua família.

"Você precisa me prometer que nunca contará a ninguém... Precisa me prometer que nunca fará magia!". A voz opressora voltou a gritar em sua mente. A voz do homem que a tinha criado, aquele que devia zelar pelo bem-estar dela acima de tudo.

- Ele a obrigou... a fez implorar! - Continuou a voz cortante e cruel a sua volta, se deleitando com o sofrimento que as memórias traziam, se alimentando da dor. - Você o odeia!

"Hermione... Não podemos esconder quem nós somos...". O nome soou em sua mente, esse era seu nome. E ela lembrou quem era e sabia que não era alguém cheia de ódio.

- Não. Não o odeio. - Respondeu, pois não odiava seu pai, não mais. Ela sabia que ele era um homem ferido e que queria protegê-la mesmo da maneira quebrada dele. Ela o amava e o perdoava.

- Perdoá-lo. Como pode perdoá-lo? Ele traiu você! - Gritou a escuridão enfurecida.

"Eu prometo!". Lembrou-se da promessa que tinha firmado. Ela tinha escolhido conter sua magia, uma escolha tola que a feriu profundamente, mas tinha sido escolha dela.

- Ele é meu pai... - Sussurrou confusa, quase como uma pergunta. Ela já tinha dito aquelas mesmas palavras para outro.

A memória a atingiu, lembrou-se do dia em que tinha decidido assumir a sentença pelo pai, a sentença por ter pedido uma rosa e Maurice tê-la roubado do dono de um castelo encantado. Um bruxo cruel e amaldiçoado, cujos olhos cinzas tempestuosos a hipnotizavam.

"Draco é, antes de tudo, nosso amigo..." Disse outra voz feminina em sua cabeça, mais uma memória que a escuridão a sua volta lutava para que Hermione esquecesse. "Ele não é tão terrível quanto aparenta... Em algum lugar lá no fundo está a alma de um jovem bruxo sonhador...".

Sim lembrou-se, Draco era alguém cheio de sonhos, alguém que a ensinara a ter sonhos também. Era alguém querido de presença confortável mesmo com a personalidade convencida e a mania de irritá-la. Draco era seu amigo também, alguém que a desconcertava e cativara. A memória a fez sorrir e pareceu que a escuridão a sua volta enfraqueceu sibilando.

Ela não queria mais aquele ódio ou a dor que ele causava. Draco, o dono daqueles incríveis olhos cinzas a tinha ensinado a viver em meio a magia, sem se esconder, e sim se orgulhando de quem realmente era. Uma Bruxa! Ela aprendera com ele e com todos os amigos que amava sua magia, amava o que ela era e o que poderia vir a ser.

- Se não pelo ódio, será pela culpa.

A escuridão retrocedeu e Hermione conseguiu, pela primeira vez, em que tinha tomado consciência em meio aquela escuridão eterna, respirar sem que a angústia oprimisse seu peito ou o frio mortal a paralisasse. Entretanto fora apenas um pequeno fôlego antes de ser afogada por mais uma onda de dor e sombras.

Hermione gritou, quando foi envolvida pela areia negra que esmagava seu corpo cortando sua pele como adagas de gelo. Gritou quando sentiu o ar em seus pulmões ser substituído pelas sombras que a reivindicavam.

Gritou quando sua mente se rasgou e as memórias vieram dolorosas e turbulentas.


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