O tiro

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  Quando Nathaniel chegou em casa foi direto até a cozinha onde sabia que Rosa estaria, precisava contar a ela o que havia descoberto.
-Rosa! _Chamou, fazendo a senhora dar um pulo de susto e derrubar o pano de prato no chão.
-Ai menino! você quer me matar do coração?!
-Deus me livre, eu não seria nada sem você. _Disse ele, pegando o pano do chão e colocando na pia. -A senhora não vai acreditar o que eu descobrir...
-O quê? chegou tão ansioso que arrisco dizer que tem a ver com a Lia.
-Acertou, eu fui até o apartamento dela, queria conversar e esclarecer as coisas uma última vez antes de realmente deixar nossa história pra trás... ela não estava, então fiquei esperando e enquanto eu estava lá chegou uma mensagem na caixa eletrônica, e era do ex namorado dela. Você acredita que ele está ameaçando ela?! _Disse, ofegante.
Rosa franziu o cenho e ficou surpresa com o que ele tinha acabado de lhe contar.
-Ameaçando? mas por quê? com o quê? conta isso direito, filho!
-Eu não sei muita coisa, a mensagem não era muito esclarecedora, mas ele dizia que era melhor ela aceitar ficar com ele outra vez se não coisas ruins aconteceriam para ela e para mim, algo assim... e o tom de voz dele foi o que mais me instigou, era ardiloso, maldoso... eu sai de lá completamente desnorteado.
-Nath, isso é muito sério! se esse homem está ameaçando ela e até mesmo você indiretamente, precisamos falar com a polícia!
-Não sei não, Rosa... nós não sabemos do que realmente esse cara é capaz, e sem provas a polícia não vai prendê-lo imediatamente, vai querer investigar e isso dará tempo para que esse maluco faça alguma coisa contra a Lia, pode achar que ela me contou ou contou à polícia!
-Tem razão, mas não podemos deixar por isso mesmo, ela corre perigo, pelo visto está acatando as ordens dele, mas ela não pode ficar com alguém contra a vontade dela!
-Claro que não, eu jamais permitirei isso! _Nathaniel falou, sentindo o sangue subir sua cabeça mais uma vez ao pensar no crápula do Peter sequer respirando perto de Lia. -Eu pensei em procurar saber onde ele mora e confrontá-lo, ou até mesmo dizer à Lia que sei de tudo e assim podemos armar para fazer uma gravação dele ameaçando ela ou algo assim, o que a senhora acha?
-De jeito nenhum você vai confrontar esse homem, a vida não é um filme Nathaniel, é melhor dizer a Lia que já sabe de tudo e conseguir provas concretas para mandar para polícia, talvez ela tenha como conseguir a gravação da mensagem que você ouviu.
-Tem razão.

***

Na manhã seguinte, o dia estava claro, após muitos dias de chuva, finalmente o sol tinha voltado a dar o ar da graça naquele verão. Nathaniel acordou disposto, assim que Lia chegasse para a sessão ele iria dizer a ela que sabia das ameaças e logo eles se livrariam do Peter. Quando saiu do banheiro ouviu uma notificação vindo do celular e para sua surpresa era uma mensagem de Lia, que não mandava mensagens para ele há dias:
"-Bom dia, Nath.
Desculpe mas terei que desmarcar nossa sessão de hoje, dormi mal e não me sinto muito bem, não acho prudente ir trabalhar assim, nos vemos na sexta?!"
Nathaniel suspirou, desapontado e em seguida preocupado, esperava que ela não estivesse desmarcando por mais uma ameaça de Peter, mas também odiava pensar que ela estivesse mal de verdade.
"-Tudo bem, mas está sozinha? quer que eu vá até aí?"

"-Estou sozinha sim, mas eu vou ficar bem, já tomei um remédio para dormir, logo fará efeito e eu vou capotar o dia todo, não se preocupe."

"-Precisando é só chamar que eu apareço, fica bem, até sexta, L."

Nathaniel queria muito ir até lá e ver como ela estava, além de esclarecer tudo, mas se ela realmente estivesse sofrendo com insônia não queria atrapalhar, então decidiu aguardar.

***

  Lia tinha passado a noite em claro, tomara três banhos em menos de quatro horas e de meia em meia hora explodia em um choro sufocante. Ela vinha tentando ser forte durante toda aquela semana, mas a verdade é que ela não conseguia mais manter a calma e fingir que tudo estava bem.
Como se não lhe bastasse tudo o que estava passando, no momento em que estava voltando do mercado há algumas horas atrás, viu uma ambulância parada em frente ao prédio. Norma estava chorando em frente às portas abertas da ambulância, o marido segurava Pedrinho nos braços, que tinha uma fisionomia assustada no rosto. Lia se aproximou dos dois e perguntou ao homem o que estava se passando, e quando ele disse que Dona Luíza havia infartado e falecido, Lia não conseguiu acreditar. Havia estado com ela na segunda-feira, ela parecia bem, conversaram sobre filmes antigos, e compartilharam seu amor pela dança, ela havia lhe contado que tinha sido uma grande dançarina dos bailes de sua época e prometido a Lia que a ensinaria passos legais assim que estivesse pronta para andar sem o andador de novo. Agora ela estava morta. Seu coração simplesmente havia parado de funcionar, e a levado para sempre. Lia nunca iria se acostumar com a morte, sempre acharia injusta a forma como as pessoas viviam, faziam planos, conheciam pessoas e formavam laços e sentimentos com outras para então, de uma hora para outra, tudo acabar. Não conseguia aceitar que após tantos dias vividos, depois de cativar tanta gente no mundo, a pessoa simplesmente deixasse de existir e se resumisse a um corpo dentro de uma caixa de madeira embaixo da terra. A vida não era fácil, era árdua, cheia de espinhos e tombos pelo caminho, mas a morte... a morte era cruel, esquisita, triste. Lia não havia perdido apenas uma paciente, tinha perdido uma amiga, e sensível como estava, aquilo tinha sido como uma gota em um copo prestes a transbordar.
  Agora ela estava sentada no chão da varanda da sala, olhando o horizonte, o sol estava prestes a nascer. A cabeça dela doía tanto que ela pensou que fosse explodir a qualquer momento, seu coração não desacelerava em hora nenhuma e mesmo após tentar todos os mantras e técnicas que aprendera em vários anos de terapia, continuava em pânico.
Quando seu alarme tocou, indicando que ela devia acordar e se adiantar para o trabalho, Lia permanecia no mesmo lugar, enquanto o dia das pessoas começavam, idas e vindas de carros já atolavam as ruas, seus vizinhos já saíam para viver o dia deles, mas ela não conseguia sair daquela varanda. Lia pegou seu celular e mandou uma mensagem para Nathaniel, desmarcando a sessão do dia, ele quis argumentar e até ir ficar com ela, mas apesar de ser tudo o que ela precisava, não podia suportar a aproximação dele outra vez, estava usando de toda sua força para mantê-lo longe e seguro.
Exausta, Lia tomou alguns comprimidos para insônia e ansiedade e foi se deitar, só queria fazer o medo e a solidão passarem. Não demorou muito e seus olhos começaram a pesar, a vista escureceu e finalmente ela se desligou do mundo.

O Milagre de nós doisKde žijí příběhy. Začni objevovat