Família

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Os dois foram a maior parte da viagem em silêncio, vez ou outra quando tocava alguma música no rádio que ambos conheciam cantarolavam juntos, e duas vezes Lia fez uma parada na estrada para tirar foto de alguma paisagem ou animais pelo caminho.
Faltando poucas horas até o destino final, Nathaniel pediu pra que ela parasse em uma lanchonete de beira de estrada.
-De acordo com o gps nós já estamos quase chegando, não dá para o seu estômago esperar até chegarmos para o almoço? _Lia murmurou, parando o carro.
-Não, não dá, você nos fez parar para tirar fotos de cavalos! _Falou tirando o cinto. -Agora é a minha parada, quero que você prove a torta que eles fazem aqui, vai se apaixonar! _Continuou ele, abrindo a porta.
-Eu só não vou me opor porque você pegou no meu ponto fraco, doces, mais especificamente, tortas!
Nathaniel riu, colocando uma muleta no chão e saindo do carro com ajuda de Lia, que estendeu o braço para que ele tivesse apoio ao descer daquela montanha que chamavam de carro.
-Eu devo dizer que estou abismada com a sua desenvoltura pra andar! _Lia falou, enquanto os dois caminhavam até a lanchonete.
-Passei a semana toda treinando, eu andei a casa inteira umas cem vezes, até caminhei pelo condomínio.
-Meu mais dedicado paciente! _Ironizou ela.
Os dois entraram, o lugar era claro e arejado, as janelas eram grandes e todas de vidro, tinham poucas mesas e alguns puffs espalhados no local, e a vitrine com as comidas chamava mais atenção que qualquer outra coisa.
-Senta aí, vou lá pedir as tortas. _Nathaniel disse, indicando uma das mesas do lado de fora.
Ele caminhou com cuidado, porém, era incrivelmente bom poder se sentir útil outra vez, se sentir no comando de sua vida de alguma forma, já que há um mês atrás ele estaria em uma cadeira de rodas enquanto alguém ia fazer os pedidos, mas agora ali estava ele, de pé, diante do balcão. Enquanto Lia se sentava parou para observá-lo, ela mal podia acreditar que aquele cara era o mesmo que ela conheceu há 6 meses atrás, ele estava feliz, mais seguro e andando! ela estaria radiante, se não fosse a droga do Peter que não saía de sua cabeça, como um pesadelo.
Nathaniel voltou com dois pedaços de torta e um garrafa de refrigerante.
-Meu Deus, isso está com uma cara linda! _Ela disse, olhando o doce à sua frente.
Nathaniel sorriu, depois olhou em volta, as recordações já começavam a atingi-lo como um vento frio e ao mesmo tempo melancólico. Enquanto Lia mastigava, olhou para ele e percebeu a mudança de humor repentina.
-Qual a sua história com esse lugar? _Perguntou ela.
Nathaniel a fitou, surpreso.
-Não é nada demais... _Murmurou.
-Não é o que o seu rosto está dizendo, mas se não quiser tocar no assunto tudo bem.
Ele sorriu, assentindo, nada passava despercebido por ela, ele já devia estar acostumado.
-No primeiro dia da minha família aqui no Paraná nós não conhecíamos nada, estávamos famintos após tanto tempo de viagem, então avistamos essa lanchonete e paramos para fazer um lanche, assim como nós agora. _Falou, e fez uma pausa antes de continuar. -O lugar era diferente, era menor e mais simples, mas adoramos e assim que entramos meu pai viu essa torta na vitrine e pediu uma inteira, ficamos tão apaixonados por ela que todo domingo dirigíamos por uma hora só para comer da torta... fazia anos que eu não voltava aqui.
-Devo concordar que essa torta é de outro mundo, e quero matar você e beijar ao mesmo tempo por ter me apresentado à ela!
-Por que matar? não podia ficar só no beijo?! _Brincou.
Lia fez uma careta.
-Como farei para sair de Florianópolis até aqui sempre que sentir vontade de comê-la?!
-Desculpe por isso! _Respondeu rindo, e fazendo ela rir também.
-Você comentou que não conheciam nada daqui, pensei que tivesse nascido aqui no Paraná... _Murmurou, comendo o último pedaço de sua torta.
-Acho que nunca tivemos a oportunidade de tocar no assunto, mas não nasci aqui no Brasil, vim pra cá aos 6 anos.
-Jura? _Ela indagou, arregalando os olhos de surpresa. -Eu não acredito que você não é brasileiro e nunca me contou isso!
Ele riu.
-Eu me sinto mais brasileiro do que de fato a minha nacionalidade, as vezes até me esqueço desse detalhe.
-E qual é a sua nacionalidade? _Perguntou ela, ainda abismada com aquela informação.
-Sou português.
-Que incrível! Portugal parece ser o máximo pelas fotos que eu vejo, por que se mudaram de lá?
-É uma longa história, te conto depois, agora é melhor nós irmos porque ainda tem estrada pela frente. _Disse, se levantando e se apoiando na muleta.
-Você não pode fazer isso com uma pessoa ansiosa! _Lia resmungou, se levantando.

O Milagre de nós doisWhere stories live. Discover now