Nathaniel

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"E aqui estou, mais um dia deitado nessa cama estúpida, sendo tratado como um inútil. Maldito acidente. Maldita vida." Pensamentos como esse eram os que se passavam todas as manhãs pela cabeça do jovem Nathaniel D'Ávilla desde que sofrera um acidente de carro há cinco meses atrás quando saía tarde da noite da faculdade. Todos os dias ele se fazia os mesmos questionamentos, como: Por que foi acontecer com ele? por que ele teve que sair de casa naquele dia? por que aquele maldito motorista não pediu um táxi ao invés de dirigir bebâdo por uma via escura?
A vida nem sempre foi tão difícil para ele, nasceu em Portugal, seu pai tinha uma empresa em parceria com um amigo, e tudo começou a desabar quando o parceiro dele foi desleal e derrubou o pai dele dos negócios. A família d Nathaniel mudou-se para o Brasil quando ele tinha 6 anos, compraram uma casa em Curitiba e a mãe dele arrumou um bom emprego na área da advocacia, mas o pai nunca mais foi o mesmo, buscou refúgio na bebida e nos cigarros, que posteriormente o deixaram doente. Quando o pai morreu de câncer, Nathaniel tinha 13 anos e sua mãe, Jeane, estava grávida de Eva, a mãe trabalhava demais, e ele quem cuidava de sua irmã na maior parte do tempo, mas nunca reclamou, ela era a melhor pessoa que ele tinha no mundo. Quando se formou na escola conseguiu uma bolsa na faculdade de música que ele tanto sonhava, mas era em Florianópolis, por sorte ele tinha um primo que morava na cidade e tinha comprado recentemente uma casa, e a ofereceu pra dividir com ele. O fato é que mesmo depois de altos e baixos na vida, nada nunca o afetara tanto quanto perder parcialmente os movimentos do braço e da perna direita, isso lhe custou todas as coisas que mais amava fazer, como dirigir, tocar piano, e até mesmo a faculdade, que ele havia trancado assim que recebera alta do hospital. Sua saúde física e mental estavam comprometidas, ele não tinha mais vontade de viver. Odiava o fato de ser um fardo para o primo Calvin, apesar dele sempre dizer que não lhe custava nada ajudar, o primo tinha um bom coração, e mesmo sendo muito ocupado e ser dois anos mais velho que Nathaniel, eles eram muito parceiros. Calvin não tinha saído do lado dele desde o acidente e sendo médico, cuidou para que ele tivesse o melhor acompanhamento, mas depois que saiu do hospital, Nathaniel se recusou a procurar ajuda de profissionais mesmo sabendo que precisava da fisioterapia, não suportava a ideia de ficar feito um objeto nas mãos de uma pessoa que ele nem conhecia. Nem mesmo à psicóloga ele foi, não que Calvin também não tenha incentivado e até mandado uma colega para fazer algumas consultas, mas Nathaniel desistiu na terceira sessão, não queria falar sobre nada com ninguém.

Nathaniel suspirou olhando pro teto, antes de se apoiar na cama e esticar o braço esquerdo em direção a cadeira de rodas automática que ele odiava com todas as forças, sentia vontade de vomitar apenas de olhar para ela. O quarto estava escuro, mas o relógio na cômoda marcava 11:00. Nathaniel se arrastou até a borda da cama e travou a cadeira para que ele pudesse sentar nela sem cair, após destravá-la, guiou-se até o armário, abriu a porta e parou por um instante diante do espelho. Sentia falta do garoto que costumava ser, confiante, carismático, sempre tentando fazer as pessoas felizes, mas agora ele se fitava no espelho e enxergava um peso, algo insignificante. Sabia que se não fosse a força que a família e o primo lhe davam ele já teria desistido de tudo desde o momento em que disseram que seus dias seriam em uma maldita cadeira de rodas ou na melhor das hipóteses apoiado à uma muleta. Ignorando seus pensamentos, Nathaniel puxou a primeira roupa que viu na sua frente e a colocou no colo, não fazia diferença a roupa que usaria, afinal, não saía de casa já fazia meses, e quando saía ficava apenas pelo condomínio ou dentro do carro enquanto Calvin resolvia as coisas. Geralmente ele se virava como podia, apesar de tudo ser difícil e cansativo para ele, até mesmo colocar uma simples blusa era penoso, só pedia ajuda quando realmente não conseguia fazer sozinho. A casa tinha uma empregada, dona Rosa, que era um velha conhecida de Calvin, tinha sido babá dele e depois que ele cresceu pediu que ela trabalhasse na casa, devido ao carinho e apego que tinha por ela, Rosa era uma senhora de 54 anos que fazia as melhores comidas do mundo, e tratava os dois como se fossem seus filhos. Mesmo sem Nathaniel gostar, de vez em quando a senhora batia na porta e perguntava se ele precisava de ajuda com alguma coisa, algumas vezes ele de fato precisava, como no dia anterior quando ele foi passar da cadeira de rodas para a cadeira de banho e acabou se atrapalhando e caindo, se Rosa não tivesse ouvido o barulho e entrado, Nathaniel ficaria caído no chão até aquela noite, quando Calvin chegaria do plantão. Com sorte, o banho naquele dia tinha sido tranquilo e sem tombos, mas quando terminou de se arrumar já eram quase 14:00 da tarde, estava faminto. Depois de sair do quarto, ele foi até a sala de refeições e almoçou a comida deliciosa feita por Rosa e ainda teve de sobremesa seu doce preferido, um pavê de paçoca que era receita de família.
O resto do dia foi como sempre era, ele ficou na sala assistindo séries chatas, já que as boas ele já tinha terminado, e depois colocou um podcast instrumental de piano para tocar, e enquanto sentia saudades de seus dedos tocando as teclas, ele acabou adormecendo no sofá. Nathaniel acordou com Calvin ligando as luzes da sala e falando no telefone com alguém que ele presumiu ser a Emma, namorada dele.
-Respeita o sono alheio. _Nathaniel resmungou, colocando o braço em cima dos olhos e cobrindo da luz.
-Te pego em meia hora, beijo, te amo! _Calvin desligou e voltou sua atenção para o primo. -Queria poder ficar e te dar um sermão por ter passado a tarde toda aparentemente dormindo e por estar escutando essas músicas mórbidas numa sexta a noite, mas vou sair com a Emma.
-Salvo pela Emma, obrigado garota desconhecida! _Ele ironizou.
-Bem lembrado, já está mais do que na hora de vocês se conhecerem né?
-Não, obrigado.
-Ah qual é, você não sai de casa, não quer conhecer pessoas novas... assim não dá pra te ajudar!
-Eu nunca pedi a sua ajuda. _Nathaniel disse, mas se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca.
-Okay, está inseguro de conhecê-la e me deu um fora por estar na defensiva, previsível.
Dito isso, Calvin apenas seguiu pelo corredor até seu quarto.
-Eu sou um idiota... _Nathaniel murmurou, enquanto pegava o celular para tirar a música.

O Milagre de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora