Re Conto As formigas Lygia Fagundes:

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Era um quarto escuro, alugado pela dupla no mês anterior para estudos. Eles não eram amigos há muito tempo, mas eram colegas de quarto no antigo dormitório da universidade.

Começaram o plano de morar juntos por conta de um trabalho da faculdade do mais velho, que cursava medicina. O mais novo era um anão, e por isso não era tão levado a sério por ninguém, com exceção, é claro, deste companheiro de quarto. Ele estudava biologia aplicada, mas era simplesmente fascinado por insetos, o fascínio começara desde criança no interior de uma cidade pacata na grande São Paulo.

Por tal causa mudaram da universidade para um velho sobrado, com janelas ovaladas iguais a dois olhos tristes e com um caráter de posição geográfica no mínimo questionável.

- Sinceramente, acho que tudo fica melhor se colocarmos nosso jeitinho – Falou o anão com a voz anasalada por conta da mudança de clima que pegaram no caminho.
- Temos que falar com a proprietária se quisermos mudar alguma coisa Fred – respondeu o homem ossudo e de uma altura um pouco acima do padrão.

O anão ajeita os óculos e prepara o punho em direção a porta, quando lentamente a mesma abre antes de ser sequer tocada.

-Entrem, estava esperando vocês - Fala a proprietária com um quê de fumo e velhice impregnada.

Ela era gorda, não o suficiente para assustar, mas era bem gorda, tinha cabelos negros e unhas pintadas com esmalte barato, sua expressão era carregada com um incrível tédio, típico de velhas que não sabem o que fazer da vida além de fofocar.

Fred e o colega alto se entreolharam e no ar ficou um pensamento em conjunto de ambos "Sinistro".

Logo após se instalarem no sobrado a proprietária lhes dirige a palavra, tirando do bolso um charuto grosso já pela metade e oferecendo ao mais alto.

- Não quebrem a pouca mobília que tem na casa, se quebrarem, pagam. Fechem as janelas e - Ela tragou o seu charuto com força e logo depois de uma baforada, teve um breve acesso de tosse - se precisarem de banho quente podem usar o meu banheiro.

Ela então entregou as chaves e foi caminhando em direção a um velho sofá destacado na pequena sala que eles adentraram, ela era escura e tinha pouco para se ver. Nada além de alguns móveis velhos e um vestido sendo ainda tecido num pequeno modelo de manequim.

- O quarto de vocês fica lá em cima, no sótão, eu acho que ele precisa de uma faxina, mas os lençóis são novos, então não se preocupem em precisar lavá-los.

O mais alto foi na frente levando as malas enquanto o anão acertava o primeiro pagamento com a proprietária. Ao chegar sentou-se na cama a direita sem acender a lâmpada, e tirou de sua mala um livro, indescritível sem ao menos uma luz acesa, mesmo sem poder enxergar, calmamente ele abre o livro na primeira página e começa a proferir palavras curtas, baixas e rápidas. Ele fecha o livro assim que ouve passos na escada.

-Acha mesmo que a gente consegue organizar isso roberto? - Falou o anão cruzando o último degrau para o sótão.
-Não seja ridículo Fred, óbvio que vamos conseguir limpar - Falou roberto escondendo com discrição o livro.
-Por que diabos a luz está apagada Roberto?
-Estou com uma terrível enxaqueca, eu gostaria de deixá-la assim se possível.

O anão tirou do bolso um isqueiro Locke de fluído e o deixou aberto para iluminar o pequeno quarto que se encontrava naquele sótão. Duas camas. Bom. Já era um começo, afinal é sempre bom ter sua privacidade.

Não fizeram muito na primeira semana, nem na segunda, na verdade Fred até varreu o quarto em algum momento, mas ambos estavam tão ocupados com a universidade que a sujeira ficou lá na pá, encostada perto da janela oval.

QuimeraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora