Acidente.

39.4K 2.1K 1.2K
                                    

" Acorde sinta o vento tocando sua pele e lembre-se de que você está viva."

A chuva caia forte naquele fim de tarde, abaixando as chamas que queimavam os corpos dentro do carro capotado no asfalto. Meu corpo trêmulo se arrepiava com as gotas geladas que caíam de uma nuvem que insistia em manchar aquele céu limpo. Via meus Pais se desfazendo pouco a pouco, sentindo meu coração querer sair do meu corpo. Caí de joelhos da rua molhada com a água chuva, gasolina e sangue. Impossível. Isso não pode estar acontecendo! Um pouco distante do carro em chamas, eu via o moço da moto caído no chão agonizando enquanto tudo parecia desmoronar debaixo dos meus pés.

Se ele não tivesse aparecido na contra mão, talvez meus Pais estariam vivos agora e eu ainda estaria sorrindo e cantando uma das minhas músicas favoritas que foi interrompida após a batida. Não sabia quanto tempo havia passado. Fiquei ainda no chão, olhando a fumaça preta subir. Atrás de mim, ouvi o som de pneus cantando. Olhei para trás com a visão meio borrada por conta do sangue que escorria de minha testa e pelas lágrimas quentes que banhavam meu rosto. A enorme caminhonete preta parou bruscamente no acostamento da estrada e um garoto na casa dos 20 e poucos anos de idade desceu e veio até mim correndo. Eu apenas senti suas mãos macias e mornas tocando meu rosto e antes que eu pudesse ver com clareza seu rosto, senti a tontura me abraçar e logo tudo que vi foi só escuridão.

(...)

Ouvia o som dos meus batimentos cardíacos ao meu lado, abri meus olhos com dificuldade devido a claridade insuportável que insistia em queimar minhas retinas. Quando finalmente consegui enxergar sem toda aquela ardência, percebi que não estava mais na estrada.

Tudo que via agora era um teto branco. Me ajeitei melhor na cama, sentindo meu corpo todo doer e observei a máquina ao meu lado medindo meus batimentos. Meus olhos vidraram naquelas linhas, e tudo que conseguia pensar era; como foi que sobrevivi? Meu corpo foi lançado para fora do carro com o impacto, meus pais queimaram e eu nem sei se eles estavam vivos enquanto seus corpos eram carbonizados. Eram engolidos pela chama enquanto eu assistia aquilo atordoada.

── Que bom que acordou. ── Ouvi uma voz amigável entrando no quarto, me fazendo saltar.

Era uma senhora de meia idade com os cabelos meio grisalhos e trajando um uniforme branco impecavelmente limpo e cheirando a flores do campo. Ela sorriu simpática pra mim, mas seu olhar era de pena.

── Onde estou? ── Pergunto, mesmo que já fosse óbvio.

── No hospital, querida. Você sobreviveu à um acidente horrível. ── Ela fala, colocando a mão gentilmente na minha testa. ── Está com fome?

Apenas balancei a cabeça que sim. Eu não me lembrava de muita coisa do acidente, acho que só das piores partes. Aquilo ficaria na minha cabeça até o dia que eu parasse de respirar.

── O que aconteceu com o motociclista que bateu no carro? ── Me lembro do rapaz e vejo a senhorinha me olhar triste.

── Ele não resistiu e morreu no local. ── Meu coração doeu mais ainda com a notícia. Meus pais e ele... Como era a vida dele? Tinha filhos? Meu coração apertou mais ainda. Por que eu tive que sobreviver? Poderia ter sido ele no meu lugar, agora, respirando. Ou meus Pais.

Ela saiu do quarto e só voltou uns 10 minutos depois com uma bandeja de prata contendo dois potinhos de gelatina, e uma caixinha de suco de laranja. Eu comi aquilo dado a mim sem ânimo algum. Meu peito doia, minha mente me castigava a cada golada de suco que eu dava. Minha cabeça tentava processar tudo. Queria surtar, chorar, fazer qualquer coisa. Mas nada... Eu estava oca por dentro, como se eu tivesse morrido naquele momento do impacto.

Uma semana se passou...

Finalmente eu estava de volta a minha casa depois daquela semana horrível no hospital. Odiava hospitais. A primeira coisa que fiz foi andar pela casa, lembrando dos momentos felizes que vivi ali com meus pais. Ainda era difícil lidar com o que estou sentindo. Eu estava sozinha agora e precisava erguer a cabeça e seguir em frente, mesmo sendo doloroso demais não os ter ali comigo, como uma família aparentemente comum e normal. Sei que eles desejariam isso com todas as suas forças. Abri a porta do meu quarto e entrei devagar, encarando meu reflexo no enorme espelho que cobria menos que a metade da parede. Do teto até o chão. Lembro que papai havia colocado aquele exagero de espelho sem motivos aparentes. Ao seu lado, o adesivo de uma cerejeira destacava o quarto branco e vermelho. Lembro que mamãe adorava esse tipo de coisas e comprou aquilo sem eu saber. Quando eu cheguei da escola e vi isso pregado à parede, eu gritei por ela. Eu sou introvertida, fechada com as pessoas. Quieta e até um pouco insensível. Talvez seja por isso que eles gostavam de tentar me animar da maneira deles.

Passei as mãos na colcha macia em cima da cama e a lembrança de minha mãe me dando-a de presente me veio a memória, o que me deixou mais para baixo ainda. O que eu vou fazer sem eles? Caminhei em passos lentos sentindo os raios de sol que entravam pelas frestas das cortinas, esquentando minha pele. Era um calor agradável assim como o cheiro de talco que emanava do meu quarto. Abri a porta do banheiro e o cheiro de lavanda invadiu meus pulmões. Mamãe amava lavanda. Encarei a banheira de mármore branca e dourada antes de abrir o registro de água quente e me afundar dentro dela, com roupa e tudo.

Fiquei tempo o suficiente para sentir meu corpo relaxado e minhas energias revigoradas. Me troquei, sequei e vesti algo confortável e leve, descendo as escadas até a cozinha. Abri a geladeira e a fechei umas três vezes, criando expectativas de que a cada vez que fazia isso, algo de bom apareceria lá dentro. Tentativas frustradas. Desisti, voltando para a sala e pedindo uma pizza. Eu ainda tinha um dinheiro guardado. Não demorou muito e ouvi o som da campainha ecoado pela casa. Levantei um pouco molenga e fui pegar a pizza. Voltei a me jogar no sofá e liguei a TV, procurando alguma coisa agradável ou que possa me distrair até o sono vir. Parei no telecine cult, qual estava começando um filme de terror um pouco antigo. Acho legal filmes antigos, gosto de alguns. Depois de ver o filme todo - qual não lembro o nome - e comer até quase explodir, caminhei de volta ao quarto, fechando a porta e me jogando na cama.

Observei o pequeno relógio no criado mudo, seus ponteirinhos delicados marcavam 23:30 horas. Lembrei de meu Pai brigando comigo para ir dormir quando se passava dessa hora. Quis sorrir ao lembrar disso, mas o que eu senti foi uma tortura. Fechei meus olhos e me deixei levar pelo barulho do vento brincando com as folhas da árvore que ficava abaixo da minha janela. Aos poucos, o som foi ficando distante. Entretanto, havia algo errado. Eu ouvia passos no corredor. Abri meus olhos e me sentei na cama enquanto abraçava meu travesseiro, encarando a porta de madeira, me sentindo mal a cada segundo. A maçaneta da porta girou lentamente e a porta rangeu devagar, abrindo sozinha. Aquilo novamente?

Quando finalmente a porta parou de se mexer, já sentia um cala frio subir pela minha espinha, me fazendo arrepiar. Meu coração batia acelerado dentro do peito, me fazendo agarrar ainda mais o travesseiro ao ver a porta se fechando de um vez e com o baque eu gritei involuntariamente.

Liguei o abajur ao meu lado com as mãos trêmulas, olhando melhor na direção da porta. Meu raciocínio ia falhando aos poucos e minha respiração estava pesada, me pegando presa naquela tensão que chegou de repente. Em minha testa, já era visível as pequenas gotas de suor devido ao medo e ao susto.

Aos poucos meu coração foi se acalmando e minha respiração foi voltando ao normal após constatar que estava tudo bem agora, que talvez isso apenas seja algo da minha cabeça perturbada. Me ajeitei na cama e senti minhas pálpebras ficando cada vez mais pesadas e minutos depois eu apaguei por completo, ignorando totalmente o último acontecimento.

°°♡°°

Hey hey, Como estão? Espero que bem! Bom, este foi o capítulo um e espero que tenha curtido a vibe da história, assim como eu senti quando li. Me perdoem os possíveis erros. É inevitável e sempre passa algo na revisão.

Doce como açúcar I • YoongiWo Geschichten leben. Entdecke jetzt