Capítulo 1

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Socando o saco de box com todas as minhas forças me recuso a acreditar no que minha mente insiste em me fazer ver toda vez que fecho os olhos. A imagem dela retirando a aliança do dedo e a deixando cair em meio aquela chuva toda é como viver em um loop infinito de silêncio e agonia. Os olhos acusadores dela quando ainda estávamos naquele maldito corredor.
Tudo o que aconteceu depois de Marcus me mandar aquela mensagem foi algo extremamente sufocante. Com um último soco dado pela mão esquerda, abaixo os punhos. O sangue quente correndo pelo meu cérebro de forma dolorosa, os ossos das minhas mãos fulminantes e alguns fios do meu cabelo colados na testa.
- achei que só veria você parar de bater no saco quando tivesse quebrado uma das mãos. - a voz de Susan me pega de surpresa.
Me viro rápido, retirando a luva sem dedos e faixa branca da mão esquerda antes de olhar para a mulher que cuida de mim desde que eu me entendo por gente.
- acho que o que aumenta minha dor é saber que, o que eu quebrei algo não faz parte do meu corpo.
- o que aconteceu Andy ? - ela anda sem pressa até o banco estofado próximo de mim, se sentando em seguida.
- Mia acha que eu a traí, e sinceramente, tendo visto pelo ângulo que ela viu, eu também acharia isso. - deixo a faixa cair sobre o ombro, removendo a luva e a faixa da mão direita agora.
- e você traiu ?
- não.
- quer me contar o que aconteceu ? Acho que ajudaria essa minha cabeça a entender corretamente o que pode ter te deixado tão frustrado para levantar às sete da manhã de um domingo e socar esse saco recheado de areia com tanta raiva.
- a história é longa, não quero te atrapalhar.
- eu tenho todo tempo do mundo para ouvir Andy e espero que você também me explique quem foi o responsável por esse roxo no seu maxilar.
Os olhos dela me transmitem verdade, Susan sempre foi mais presente na minha vida do que os meus próprios pais. Me sento ao seu lado, pegando as faixas, as enrolando uma na outra e deixando as luvas no meu colo enquanto conto toda a história para ela. Desde o momento em que Marcus me mandou a mensagem até quando cheguei em casa com um celular quebrado, uma aliança no bolso e um hematoma no rosto.
- sinceramente Andy, essa garota passou de todos os limites. Não sei o que você pode fazer para mantê-la longe, mas se ela teve coragem de fazer isso pode fazer algo bem pior. - os olhos escuros analisando meus olhos. - tem que encontrar uma maneira de contar a verdade para Mia, ela e você foram vítimas das atitudes infantis e psicopatas dessa Raven.
- eu sei que tenho que conversar com ela, mas não acho que Mia vá querer me ouvir agora.
- por pensar que você quis aquilo, e você disse a pouco que pensaria a mesma coisa. A visão que ela teve foi de vocês se beijando, não dessa maluca se aproveitando da sua proximidade.
- eu não deveria ter caído na provocação dela Susan, mas não aguentei quando ela começou a difamar a Mia, precisava defender a ruiva. Eu não poderia sair andando e ficar ouvindo aquilo calado.
- pois eu acho que deveria, a única coisa que essa garota fez foi tirar proveito da sua raiva. Ela sabia que se usasse o nome da Mia você iria até ela, provavelmente já sabia exatamente o que dizer para ter sua atenção.
- para piorar a situação Anthony tinha que aparecer e a levar para longe de mim, eu estava quase a alcançando, teria explicado tudo e tentado fazê-la entender que o que ela viu não foi culpa minha.
- eu não sei o que levou Anthony a estar andando naquela chuva e muito menos por que ele estava passando por perto da escola, mas o que eu não entendo é por que ele te bateu.
- Mia estava desesperada Susan, chorando e correndo pelo meio da rua para fugir de mim. O que acha que passou pela cabeça dele ? - suspiro pesado, querendo fechar os olhos e os abrir novamente para acordar dessa merda de pesadelo.
- eu adoraria saber, mas creio que seu irmão tenha os próprios motivos para querer brigar com você por qualquer coisa.
- Anthony destruiu qualquer chance que eu tinha de conseguir falar com ela ontem, e eu sei que agora, ele não vai sair de perto dela.
- ontem foi ontem Andy, você ainda tem amanhã e outros dias para conversar com a Mia. Quanto mais rápido vocês se acertarem, mais rápido esse buraco no seu peito vai diminuir e se curar.
- eu não estou preocupado comigo Susan, estou preocupada com ela. Sei que Mia é muito sensível a essas coisas.
- você a conhece tão bem Andy.
- eu ainda não sei a cor favorita dela, não sei qual é sua comida preferida, não sei nem ao menos se ela gosta de rock, não deu tempo de descobrir. - passo as mãos pelos cabelos, encostando as costas no vidro da parede. - só sei que ela fica linda com as bochechas coradas, sei que ela gosta de música latina por causa do Sam, e sei que ela pode ser muito sensível em alguma ocasiões. Tenho certeza que não vai ser fácil provar a ela que Raven foi a culpada de tudo isso.
- você pode não saber tudo sobre ela Andy, mas sabe todos os motivos que fizeram você se apaixonar. A Mia te ama e pode demorar um pouco, mas creio que ela vai entender quando tudo for explicado.
Susan se levanta, esticando a saia preta e pegando as faixas suadas do meu colo.
- uma hora as coisas vão se ajeitar, então levanta desse banco e vá tomar um banho.
- está dizendo que eu estou fedendo ?- rio baixo, notando a diversão no rosto da jovem senhora.
- estou dizendo que você precisa de uma banho, está pingando suor e com certeza sua mãe vai ficar louca se te ver sentado a mesa assim.
- eu pagaria pra ver isso acontecer. - rio rapidamente ao me levantar.
- você não tem jeito mesmo Andy, agora vá.
- sim senhora.
Deixo o cômodo de vidro devagar, aproveitando o ar gelado do ar condicionado do corredor. A porta do escritório do meu pai esta aberta, me fazendo praguejar baixo ao notar que Anthony pode estar lá dentro. Ergo o queixo, passando rápido o suficiente por ela para evitar qualquer contato e atravessando a sala de estar, correndo até às escadas. O largo corredor que separa nossos quartos parece ter diminuído, os quadros caros não deixam o local mais agradável e muito menos mais acolhedor. Empurro a porta do meu quarto e por impulso ando até a janela aberta, o céu ainda cinzento por causa da chuva de ontem a noite e algumas folhas das árvores espalhadas pela rua. A janela do quarto dela está aberta, a cortina rosa fechada para o meu azar. Sorrio por um instante, me recordando da última vez que entrei naquele quarto tão organizando.
Me recordando da última vez que deixei meu cheiro em seus lençóis.
Abaixo o olhar, saindo de perto das cortinas e dou alguns passos até a escrivaninha. A caixa de veludo vermelha se destacando em meio ao brando do móvel, a tampa aberta mostrando as alianças que um dia estiveram em nossos dedos. O rubi brilhando por sua natureza em meio a prata polida.
Lembranças e mais lembranças rondando minha mente, a tristeza rondando por vê-la longe de sua dona.
Por vê-la longe de mim.
Cansado de me torturar vou até o banheiro, retirando a camisa e o short suados e os deixando no cesto de roupa suja, que até então estava vazio. A água do chuveiro caindo gelada sobre meu corpo me fez recordar a chuva de ontem, o temporal cheio de trovões e relâmpagos que significou o fim de tudo.
Porra.
Fechando os olhos com força prendo a respiração por um momento, os dentes mordendo a ponta da língua com força para tentar distrair minha cabeça. Quando meus pulmões imploram por ar eu os deixo trabalhar, a queimação se espalhando por cada centímetro do meu peito. Os pingos gélidos não param de trazer memórias da noite de ontem.
Os risos.
A dança.
Os beijos.
Os sorrisos dela.
Droga !! Maldita Raven !! Maldito Anthony !! Maldito dia !!

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