Os segundos que ela ficou em silêncio foram uma tortura pra mim. Notei que ela estava um pouco sem graça. Ela não fazia contato visual com ninguém. Apenas encarava o chão e quando abria a boca pra responder a única coisa que saía era um suspiro nervoso. Aquilo estava me matando.

- Não precisa responder se você não quiser. – meu pai interrompeu aquele silêncio constrangedor.

- Está tudo bem. – ela disse levantando a cabeça – Eu aceitei me casar com seu filho – ela olhou rapidamente pra mim – porque ele também estava passando por um drama que precisava de uma solução. – ela respirou fundo e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha – Ele sempre falava sobre como o senhor o cobrava um filho, e como ele não encontrava ninguém com quem quisesse formar uma família. Eu não entendo o motivo dele achar que eu sou a pessoa perfeita pra isso, mas era o mínimo que eu podia fazer, já que ele iria dar o dinheiro pra salvar a vida da minha mãe.

Realmente não era essa a resposta que eu esperava e queria ouvir. Por um momento eu acreditei que ela ia dizer que só aceitou se casar comigo porque nutria sentimentos por mim ou algo do tipo, além do fato do dinheiro pra pagar o tratamento da mãe dela, claro.

- Só por isso? – indagou meu pai – Você só quer retribuir o "favor"? – ele disse fazendo o sinal de aspas com a mão.

- Para com isso, Marcelo – disse minha mãe dando um tapinha no braço dele – Você está deixando a menina sem graça.

- Eu só estou curioso, Geovana. E sei que você também está. – ele retrucou.

- Sim, eu estou. Mas, nitidamente, dá pra ver que ela não está à vontade pra falar isso pra gente – ela disse enquanto alternava o dedo indicador entre ela e o esposo.

- Tudo bem, tudo bem – ele disse levantado os braços em sinal de rendição – não vou mais tocar nesse assunto.

Notando que o clima tinha ficado um pouco estranho, resolvi que era a hora de ir embora. Enquanto estávamos no carro nenhuma palavra foi trocada. Eu não estava me sentindo muito bem com aquele clima, mas não sabia o que fazer pra quebrar aquele gelo. Ao chegarmos na frente da casa da Vitória, ela ficou parada pensativa, como se quisesse me dizer algo.

- Ei, está tudo bem? – perguntei tocando seu ombro.

Ela me olhou e vi que ela estava enrubescida. Ela realmente queria me dizer algo e estava com vergonha. Logo pensei que tinha a ver com a pergunta do meu pai.

- Olha, seja lá o que você quer me dizer, ou pelo menos eu acho que você quer, não se sinta pressionada.

- Eu preciso dizer, está bem? – ela respirou fundo – Quando você disse que não se importaria de passar o resto da sua vida ao meu lado eu fiquei assustada. Mas não foi pelo que você disse, foi porque eu percebi que eu também não me importaria. Pelo contrário, eu gostaria. E muito.

Ela abaixou a cabeça e colocou um dedo na boca tentando roer uma unha. Tudo ao meu redor parecia girar. Eu não estava acreditando no que acabara de ouvir. No fundo eu acreditava que ela nutria algum sentimento por mim, mas ela nunca demonstrou nada, então eu achava que era apenas uma fé que eu havia criado pra me dar esperanças de que algo aconteceria um dia entre a gente.

Sem saber o que responder diante aquela situação, eu fiz a única coisa que demonstraria tudo que eu estava sentindo sem dizer uma única palavra. Eu a beijei.

Vitória

Quando percebi o que ele ia fazer minhas pernas começaram a tremer. Um misto de ansiedade e vergonha mais fortes se apoderaram de mim. Mas quando nossos lábios se tocaram eu esqueci tudo que estava acontecendo ao redor. A única coisa que me importava era o Ramon.

Quando nossos lábios se afastaram ele encostou sua testa na minha, sua respiração soprava em meu rosto e eu simplesmente sorri. Não sei em que momento exatamente aconteceu, mas eu estava começando a ficar apaixonada pelo Ramon. Entretanto, eu não tinha certeza absoluta se era reciproco. Por mais que ele tenha dito que não se importava de passar o resto da vida ao meu lado, isso poderia significar apenas que eu não seria um incômodo na vida dele.

Eu não queria criar falsas esperanças. Não queria criar um sentimento que não seria sentido na mesma intensidade do outro lado. Eu queria saber que tudo que eu sentia era também sentido por ele.

- Eu preciso ir – disse interrompendo o momento.

- Tudo bem. – ele suspirou – Me liga se precisar de qualquer coisa, certo?

Fiz que sim com a cabeça e me virei para abrir a porta do carro quando senti sua mão puxando meu braço esquerdo. Quando me virei ele pegou minha mão e a beijou.

- Boa noite! – disse sorrindo.

- Boa noite! – respondi retribuindo seu sorriso.

Depois de tudo que aconteceu no jantar eu tinha esquecido completamente que a Lívia estaria em casa. Quando abri a porta da sala e a vi sentada no sofá me lembrei do que ela havia feito. Mas, no fim das contas suas ações tinham gerado resultados positivos. Eu não perderia mais meu tempo com ela. Só que ela não pensava dessa maneira.

- Boa noite, irmãzinha. Posso saber onde você estava?

- Sim! – respondi enquanto sentava no sofá a seu lado – Estava na casa dos pais do Ramon.

Ao mencionar o nome do Ramon o sorriso que estava estampado em seus lábios sumiu. Ela tentou disfarçar sorrindo novamente, mas eu percebi. Entretanto, para não criar mais tumulto, fingi que nada vi e sorri de volta. Vendo que ela não falaria mais nada me levantei.

- Vou tomar banho e dormir. Se precisar de qualquer coisa é só me chamar.

Ela fez um sinal de positivo com a cabeça e eu segui rumo a meu quarto. Quando estava quase com a mão na maçaneta ela disse:

- A mamãe aprova esse seu casamento. Ela ficou feliz quando eu disse.

Ainda de costas eu sorri. Ao me virar fiz uma expressão mais neutra, porém vitoriosa e respondi:

- Sim. Ela me falou.

Dei as costas novamente pra ela e entrei no meu quarto. Joguei a bolsa em cima da cama e me joguei. O dia tinha sido cheio. Eu precisava realmente descansar. Tinha combinado com o Ramon que trabalharia até que nos cassássemos, e pelo visto ainda demoraria um pouco, já que não estávamos concordando com a questão de comunhão de bens.

Óbvio que trabalhar pra mim não era problema, muito pelo contrário, mas ele queria que a criação do nosso filho fosse feita por nós e não por estranhos, e por pensar de forma semelhante concordei. Entretanto, só de pensar que eu não precisaria mais trabalhar eu me sentia aliviada. Nada de acordar cedo, usar transporte público cheio e aturar picuinha de chefe e colegas de trabalho. Era o paraíso.

Após tomar um banho quente e relaxante, deitei na minha cama e tentei, em vão, dormir. Toda vez que fechava os olhos a cena do beijo vinha na minha cabeça. Eu ria sozinha para a escuridão. Quem diria que a minha paixonite de infância ia voltar com força total agora?! Peguei o travesseiro e cobri meu rosto com vergonha. A minha sorte era que não tinha ninguém no quarto, então não precisaria dar satisfações.

Ao acordar notei que a Lívia não estava em casa. Ao chegar na cozinha vi que havia um papel onde ela informava que tinha ido correr na praça e que tomaria café na padaria. Melhor assim, queria evitar ao máximo ter que me encontrar com ela. Por mais que ela não tivesse conseguido o que eu imaginava ser o objetivo dela, ainda me irritava o que ela tinha feito.

Assim que fechei a porta de casa pra ir ao trabalho, senti o celular vibrar. Era uma mensagem do Ramon:

Bom dia, noiva! Espero que tenha tido uma boa noite de sono.

Se precisar de qualquer coisa, me liga!

Beijos.

Fiquei parada na porta de casa rindo para a tela do celular. Respondi que tinha tido sim uma boa noite de sono e que esperava que ele também tivesse tido. Guardei o celular e corri para não perder o ônibus para o trabalho.

A propostaWhere stories live. Discover now