Operação padrinho

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Novembro daquele ano trazia o casamento mais aguardado do ano. Bruna nunca foi muito de pensar em se casar, mas Ramón tinha plantado aquela sementinha em algum momento, e Bruna foi maturando a ideia, até o dia do pedido.

Era hora de dar vida a despedida de solteiro mais louca que a gente conseguiria criar, na véspera do casamento. Assistindo a série Lucifer, me veio a ideia de contratar um daqueles ônibus de despedidas de solteiro com bar, pista, som e iluminação. Descobrimos com uma amiga do trabalho que existia uma empresa em São Paulo que tinha esse tipo de ônibus. Não pensei duas vezes. A festa começaria no ônibus e depois iríamos pro espaço que tínhamos alugado. 

Hugo e eu estávamos deixando o nosso prédio pra irmos até a festa de despedida, quando seu celular tocou e ele foi até um local silencioso pra atender.  Quando voltou, ele tentava esconder um sorriso, que parecia trazer uma felicidade imensa. Antes mesmo que ele dissesse alguma coisa, eu já tinha adivinhado. 

— Você conseguiu? Meu Deus, você conseguiu!

— Consegui! — Hugo respondeu e me abraçou forte. 

Ele havia se candidatado pra uma vaga de auxiliar de cozinha em um restaurante e naquela quase noite de sexta, ele recebia a resposta de que havia sido contratado. 

— Eu acho que quero fazer gastronomia. — Ele mencionou enquanto caminhávamos pela Faria Lima, em direção ao metrô. 

— Te apoio demais. Inclusive, tem várias universidades com vestibular aberto. A gente pode ver isso semana que vem. 

— Beleza. Na segunda a gente vê, porque vai ser um final de semana longo. 

— Vai. 

— Tem certeza que sua mãe não se importa de ficar com o Arthur hoje?

— Se importar? Ela ficaria brava é se a gente cogitasse não deixar o Arthur com ela, isso sim. Meu pai tá super babão também. Não te contei, né? Não, não contei... Minha mãe me falou hoje pelo telefone que ontem meu pai chegou em casa cheio de brinquedos. 

— Mentira!

— Sério! Disse que ele pegou um cantinho da sala, colocou um daqueles tatames de E.V.A. sabe? E colocou os brinquedos lá. 

— Cara, não dá pra acreditar. 

— Pois é. Eu também não acredito. Tô ansioso pro Julio chegar amanhã também. Faz algum tempo que ele e meus pais não se falam e acho que meus pais tão bem mais tranquilos com o fato dos filhos não-héteros deles. E quero que o Julio conheça o sobrinho, também. 

— Mas ele já conhece...

— Não como sobrinho, né?

— É mesmo. Você tem passe aí? Preciso recarregar o meu bilhete. 

— Tenho. Vai lá, eu vou aproveitar pra ligar pra Bruna. 


A despedida foi um sucesso, com direito ao ônibus parando na Paulista movimentada pra que o casal mais lindo do mundo pagasse todos os micos que a gente tinha planejado. O ápice da noite foi, sem dúvida alguma, o momento em que Iury e Nico convenceram os dois amigos héteros de Ramón a se beijarem. Tudo bem que os dois são daqueles héteros mais desconstruídos, mas ainda assim, a gente não esperava. O mais impagável mesmo, por outro lado, foi a cara do Ramón assistindo isso. Eu nunca ri tanto na vida. 

A operação padrinho começou cedo no dia seguinte. O casamento seria num espaço verde, uma espécie de chácara. Felipe chegou de óculos escuros, acompanhado de Gabriel, que parecia não ter acordado ainda. Iury, animado, repetia que naquela noite convenceria mais héteros a se pegarem e Bruna insistia pra que ele, pelo amor de Deus, deixasse pra chocar a família tradicional mais pro fim da festa. 

Naquela manhã, Bruna e Ramón já estavam impedidos de se encontrarem. Já que era pra casar, manter algumas tradições era importante e de certa forma, engraçado. Eu e Hugo seríamos padrinhos, assim como Iury e Nico. Gabriel, Felipe e Marco seriam as daminhas de honra modernas. Pri, a garota com quem Bruna dividia apartamento e que tinha o melhor xampu de camomila do universo, seria madrinha acompanhada do meu irmão. E cada um dos dois amigos héteros da noite anterior seriam padrinhos, acompanhados de duas primas de Ramón. Todos estavam destinados a uma função naquele dia e eu nunca vi tanta correria, maquiadores, cabeleireiros e gritaria em um lugar só. 

Como todo casamento, é claro que mil problemas apareceram de última hora. Docinho faltando, geladeira e freezer pifando, violinista que quebrou o braço e o vestido da noiva, que ninguém fazia ideia de onde estava. Havia mais problemas do que braços e cabeças pra resolver. Se o caos pudesse ser registrado em uma foto, ali era o cenário perfeito. E enquanto resolvíamos os mil problemas, Bruna e Ramón se toparam dentro de um dos quartos. Aos gritos, Pri e Nico tentavam tirar Ramón de lá. Mas sem sucesso, Pri desistiu e saiu do quarto furiosa. Cheguei assustado e, ao ver os dois no mesmo cômodo, entendi o motivo da gritaria. Iury e Gabriel chegaram logo atrás, com os celulares na mão. Marco saiu do banheiro e avisou que tinha acabado de vomitar. Felipe surgiu com uma água na mão, correndo. 

— Já era. A gente já se viu. — Ramón disse e beijou Bruna.

— Quantos anos de azar? — Bruna perguntou, brincando.

— Acho que o azar veio todo pra mim. — Marco respondeu, com cara de quem não estava bem.

Todos rimos com aquela situação. Bruna fechou a porta do quarto. 

— Vamo aproveitar que estamos aqui e deixar algumas coisas bem claras. 

— Lá vem... — Felipe resmungou e Bruna pediu silêncio. 

— Eu e o Ramón estamos casando, mas a gente não quer ser daqueles casais que se separam dos amigos. Pelo contrário, a gente quer vocês por perto. Se a gente pudesse, comprava uma casa e colocava todo mundo pra morar com a gente. Mas a gente sabe que não é assim. Um dia, alguém vai morar do outro lado do país, ou do mundo. É até aceitável. Mas se disser que vai morar em Mauá já é demais. — Todos riram. — Mas falando sério. Uma hora isso tudo muda e nem sempre vamos estar por perto uns dos outros. Então é nossa obrigação prometer que vamos fazer o impossível pra termos pelo menos alguns momentos juntos, sempre que der. Eu não quero perder vocês, nunca. Eu amo vocês. 

Um tanto de "awn" foi pronunciado e nós demos um abraço conjunto. 

— Eu prometo. — Nico puxou e foi acompanhado por cada um de nós. 

Nascia ali um combinado difícil de cumprir, porque ninguém sabia do futuro, mas que era importante pra mantermos a nossa amizade viva. Uma amizade difícil de explicar por onde tinha começado exatamente. Bruna e eu éramos amigos desde a infância. Ramón apareceu na vida dela em algum momento depois dos quinze anos, era um casinho que nunca virava nada. Até virar. Marco apareceu na minha um tempo depois, já na faculdade. Felipe se tornou meu amigo na empresa, enquanto Marco se exibia com o Gabriel. Em algum momento éramos todos amigos, um tanto quanto íntimos, inclusive. Nico e eu nos conhecemos ao som de Hey Ya! e ele entrou para o grupo. Iury, nosso Anjo, apareceu quando mais precisávamos. Hugo, por sua vez, quando mais precisou, se junto a nós em São Paulo e encontrou sua nova família. A vida tinha colocado cada um de nós ali e nós havíamos lutado muito pra que nenhum deixasse de estar. Era hora de honrar com nossas amizades. Nosso compromisso estava selado. 

Amor de Areia (Romance LGBT)Where stories live. Discover now