Junho chegava na terceira semana. Sabe aquele lance de "o tempo voa"? Nunca deixa de ser verdade e quanto mais você precisa fazer, mais essa sensação toma conta. A apresentação da proposta de campanha se aproximava, mas eu estava confiante. Trabalhava dia e noite, e usava cada minuto que tinha pra conseguir terminar tudo no prazo.
A campanha de marketing estava pronta. O relatório de previsão de retorno financeiro era o que mais me dava trabalho naquele momento. Era difícil traduzir em números como a campanha afetaria o resultado da organização, mas eu me sentia confiante pra caramba. Era um impacto significativo. A ideia era basicamente tornar a empresa os clientes não LGBTs e os próprios LGBTs conscientizadores e parte da luta. Não vou delongar uma grande explicação sobre qual era a campanha, mas digamos que ela tinha potencial pra trabalhar a diminuição da violência contra LGBTs, além de auxiliar na aproximação do mercado de trabalho e na profissionalização das classes mais marginalizadas dentro da sigla.
Na sexta daquela semana, eu tinha programado trabalhar ainda mais, mas Nico e Bruna montaram um complô e criaram uma lista de 10 motivos pelos quais eu deveria relaxar naquela noite de sexta e fazer alguma coisa com eles. E uma coisa que precisa ficar clara sobre Nico e Bruna é que quando eles se juntavam, ninguém conseguia sair vivo dos argumentos dos dois. Então é claro que eles me venceram e nós fomos pra um rolê.
Era um barzinho agradável, tinha música ao vivo. Marco, Felipe e Gabriel já tinham compromisso naquela noite. Ramón foi com a gente. Entre brigas e amor, Bruna e ele caminhavam num relacionamento sério ainda difícil de acreditar, mas que era fofo demais. Iury também foi com a gente, mesmo reclamando que ficaria de vela. Naqueles 4 meses que tinham passado desde a noite horrível de carnaval, Iury tinha se aproximado do grupo. Aos poucos, ele era parte da gente, e deixava de andar com os "amigos" antigos. Porém, até aquele ponto, nada tinha sido comentado sobre a sexualidade dele.
A música ao vivo acabou e deu lugar pro funk. No mesmo momento, algumas pessoas começaram a ocupar o espaço da pista do barzinho.
— Eu acho que a gente deveria dançar. — Nico sugeriu e Iury já estava de pé.
— Eu acho que você tá louco... — Respondi.
— Ih, não vem me culpar se a cerveja subiu mais rápido em mim. Puritano.
— Puritano onde?
— Aqui. Porque no quarto...
Todos riram.
— Se a Brubs for, eu vou. — Falei.
— Me senti desafiada. — Bruna se levantou, pegou na mão de Ramón e os dois foram pra pista. Ela olhava pra gente como quem cumpria o desafio com muito gosto. Iury acompanhou os dois.
— Vai ter que ir, meu amor... — Nico despejou uma risadinha gostosa e deu uma piscadinha. Não tinha mais saída, né? Fui pra pista.
Dançamos por quase duas horas sem sentar. Minha sorte é que minhas corridas no Ibirapuera e a academia faziam algum efeito naquele momento porque, se não, eu já teria sentado depois de três músicas.
Enquanto dançávamos mais uma, senti meu celular vibrar. Tirei o celular do bolso e a Bruna fez cara feia, como se soubesse que era algo do trabalho. Olhei a tela. Um número com DDD de São Paulo. A parte ruim de morar em São Paulo é que você não pode recusar as ligações de São Paulo. Pode ser algo importante.
Corri até o banheiro, onde seria menos barulhento pra atender a ligação, mas quando cheguei lá, a chamada já havia terminado. Esperei algum tempo e nada de ligar novamente. Quando eu resolvi sair do banheiro, o celular tocou novamente. O mesmo número.
— Alô?
— Rafael?
— Sim, sou eu. Quem é?
— É o Hugo...
Minha cabeça parou por um instante. A voz agora fazia todo sentido, não conseguia nem duvidar que fosse ele mesmo. Minha garganta travou. Nenhuma palavra saía.
— Rafael?
— Desculpa... É, tudo bem?
— Na verdade, não. E com você?
— Tudo bem por aqui. Mas... Por que você tá me ligando? O que aconteceu?
— Eu tô na rodoviária de São Paulo e preciso da sua ajuda.
— Como assim? Você precisa saber como ir até algum lugar, eu posso...
— Rafael, eu preciso mesmo que a gente se encontre aqui ou em algum lugar, cara.
— Tá bom, te encontro aí dentro pode ser?
— Ok.
Hugo desligou o celular em seguida. Eu começava a ficar muito preocupado com aquela situação, porque não fazia ideia do que ele estava fazendo em São Paulo, de madrugada e ainda por cima por que tinha me ligado. Voltei até os meninos, que continuavam dançando na pista.
— Preciso ir ajudar um amigo. — Falei bem alto pra que me ouvissem. Bruna me olhou estranho, Nico não havia entendido. Repeti. Então nós nos afastamos da pista e fomos em direção a mesa em que a gente estava antes de ir dançar.
— Mas agora? — Nico estranhava.
— É, depois eu explico. Ele me ligou e eu preciso ir lá.
— Tá bom. Quer que eu vá junto?
— Não, não. Fica aí, aproveita.
— Belezinha, amor. Brubs e Ramón, vocês vão ficar também ou já tão indo? Iury?
— Vamos ficar mais um pouco.
— Eu nem comecei a beber ainda... — Iury disse com uma garrafa na mão.
— Beleza então. Vejo vocês amanhã. — Respondi. Me aproximei de Nico e o beijei. Ele me abraçou.
Antes que eu atravessasse a rua pra me encontrar com o Uber que me buscaria, Bruna correu em minha direção.
— Que que tá acontecendo, Rafa?
— Brubs... Eu te explico melhor depois.
— Não senhor. Você explica melhor depois pro seu namorado. Pra mim você explica agora.
— É o Hugo, Brubs. Ele que me ligou. Ele tá lá na rodoviária e pediu pra eu encontrar ele lá. Disse que precisa da minha ajuda.
— Como assim? Você tá louco de ir pra rodoviária uma hora dessas? Você nem conhece ele direito.
— Eu sei. Mas eu preciso ajudar, mano. Que que eu vou fazer? Ele pediu ajuda.
— Você não vai sozinho. Eu vou com você.
— Não, fica aí e curte a festa. Não se preocupa.
— Você não vai lá sozinho de jeito nenhum. Eu vou ali avisar os meninos que vou com você. Segura o Uber aí.
Bruna correu de volta ao bar e avisou os meninos. Vi que Nico me olhou estranho, sem entender porque tinha aceitado a companhia da Bruna e não a dele. Mas isso eu resolveria depois. Agora eu precisava saber porque Hugo estava ali e porque ele precisava de mim.
Entramos no Uber e seguimos para a rodoviária do Tietê.
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Amor de Areia (Romance LGBT)
RomanceRafael é um cara paulistano que se vê pressionado quando o trabalho, o ex-namorado, a sexualidade e a família se tornam questões muito mais complicadas do que geralmente são. Pra relaxar, ele procura refúgio no litoral norte, onde uma nova pessoa e...