Check-out

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Eu sabia que tinha alguma coisa errada. Só não sabia o quê. E aquilo me matava.

Esperei algumas horas no quiosque e ele não voltou. Passei a tarde do sábado mandando mensagens, liguei algumas vezes. Ele não visualizou e não respondeu nenhuma forma de contato que tentei fazer. 

Aguardei ansioso e nervoso na pousada até as seis da tarde, quando ele deveria entrar em serviço. Ele não apareceu. Não queria levantar qualquer suspeita errada, então não perguntei nada a Rosane. Mas ela parecia esperta o suficiente pra entender que algo me afligia. Continuei sentado na recepção e tentei fingir que dava atenção a uma revista que tinha por lá. As oito da noite ele chegou. Passou direto pela recepção e perguntou se ele e Rosane poderiam conversar longe dali. Não tive qualquer chance de me aproximar. 

Depois de alguns minutos, Rosane voltou sozinha para a recepção e eu segui para meu quarto. Enquanto caminhava pelo corredor, vi Hugo surgir na direção contrária. 

— Hugo... 

— Rafael, eu preciso trabalhar. 

— Tá, eu sei. Mas a gente pode conversar? O que tá acontecendo?

— Eu não posso conversar agora, eu tô no trabalho.

— Ué, e isso te impediu de ir lá no meu quarto a noite passada? — Ao falar isso pra ele, senti seu rosto se enfurecer. Ele pegou pelo meu braço, abriu a porta do meu quarto e entrou comigo. Fechou a porta.

— Presta atenção, Rafael. O que aconteceu na minha casa, aqui e tudo mais foi só um momento. Você tá confundindo as coisas querendo saber da minha vida. Amanhã é dia de você seguir sua vida e eu também, mano.

— Por que você tá falando assim comigo? Eu só tô tentando entender o que aconteceu hoje.

— Não é da sua conta, cara! Acabei de te pedir pra você seguir sua vida, então cuida do resto da sua viagem, vai aproveitar sua vida, sei lá. 

— Eu não tô acreditando que você é essa pessoa, Hugo. 

— Que pessoa? Do que você tá falando?

— Você me tratou bem pra caralho esses dias todos pra virar e falar isso pra mim? Eu não tava esperando que a gente fosse casar, porra! Eu sei que amanhã eu vou embora, mas não pensei que por isso a gente deveria se tratar com grosseria. 

— Eu preciso trabalhar, Rafael. Por favor, não vem atrás de mim agora. Fica aqui na sua. Segue tua viagem pra São Paulo, seja feliz. Te desejo tudo de melhor, cara. 

— Hugo... - Eu segurei seu braço. - Não faz isso. Eu não tô entendendo nada. 

— A única coisa que você precisa entender é que o que a gente fez, passou, acabou. Supera, vai viver sua vida. Eu vou fazer o mesmo. 

— Você é um idiota.

— Vai dormir, Rafael. Você precisa. - Ele disse enquanto abria a porta pra sair. Eu não conseguia dizer mais nada. Assisti Hugo deixar o quarto e, de certa forma, partir meu coração. 

Era estranha a dor que eu sentia por aquilo. Fazia alguns dias que eu tinha terminado um relacionamento de dois anos. Tinha doído, eu sofri. Mas a dor que senti sendo tratado daquele jeito por Hugo era uma sensação de ruptura como nenhuma outra. Nós tínhamos nos conectado de uma maneira muito forte e naquele momento a conexão se perdia muito rápido. Eu não sabia o que pensar, eu não sabia como reagir. Eu tinha vontade de chorar, mas ao mesmo tempo sentia as lágrimas presas dentro de mim. 

Será que tinha sido real? Ele foi fofo porque ele é assim mesmo ou era tudo uma máscara usada pra tentar transar comigo? Não era possível. Tinha alguma coisa acontecendo e era muito séria. Ainda não fazia ideia de quem era a moça que tinha aparecido no quiosque naquela manhã. E o que será que tinha acontecido pra que nem seu Geraldo e nem a Rosane parecessem furiosos por, respectivamente, ele sair no meio do trabalho e por chegar atrasado? Eu colocava dúvidas e mais dúvidas dentro de mim. Eu queria explodir. 

Eu podia tentar sondar com o seu Geraldo ou com a Rosane. Poderia investigar, tentar entender o que tinha acontecido. Mas tomei uma decisão muito sábia de me afastar daquela situação. Hugo tinha sido bem claro. Continuar cavando talvez só me trouxesse mais problemas. Não era meu dever. E eu estava puto. Uma parte de mim também não queria procurar pelo problema porque ele não merecia minha atenção, pela forma como me tratou.

Deitei na cama e, com a cabeça cheia, adormeci com dor. 

No dia seguinte, eu estava decidido a ir embora o quanto antes. Tomei meu café e fiz o check-out com Rosane, que me olhava de uma forma como se quisesse me dizer alguma coisa. 

— Como foi a estadia?

— Muito boa. Agradeço pela atenção, viu? Tudo muito organizado e limpo. Gostei bastante! 

— Volta mais vezes, menino. 

— É... Claro. — Hesitei um pouco com a ideia. Ela pareceu notar. Rosane era muito mais esperta do que eu pensava. 

— Querido, toma aqui. Esse é meu número do whatsapp. Pra você fazer as reservas direto comigo. Ou se quiser saber como tá o clima por aqui... Ou alguma outra coisa. — Ela me olhava de uma maneira estranha. Ela soava como se a intenção em me passar o seu número fosse totalmente outra. Com certeza Rosane sabia o que estava acontecendo. E aquele número era uma forma dela garantir que eu pudesse entrar em contato caso eu quisesse saber de algo. 

— Obrigado por tudo, Rosane. — Coloquei o papel com seu número na minha mochila. Aguardei o Uber chegar e parti para a rodoviária. 


Voltar pra São Paulo só não foi pior porque eu tomei remédio e dormi a viagem toda. A cidade estava mais calma, havia menos gente nas ruas, mas o sol estourava no alto. Era hora de lidar com a realidade de novo. A segunda logo começaria e eu precisava colocar as ideias no lugar. Peguei o papel com o número de Rosane dentro da mochila, enquanto esperava o metrô chegar. Olhei, ameacei adicionar e perguntar tudo que me matava por dentro. Mas eu sentia que se fizesse isso, não iria ficar em paz pra lidar com minha vida em São Paulo. 

Amor de Areia (Romance LGBT)Where stories live. Discover now