Visita

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Sorte levantara tarde naquele dia, quase na hora do almoço. A casa já estava a todo vapor. Todos trabalhavam em seus afazeres e conversavam alto.

A jovem desceu e pediu que lhe preparassem um banho quente. E depois de limpa, colocou um vestido simples que lhe permitia ter liberdade de movimentos. Calçou um sapato baixo, pois com o alto poderia tropeçar nas escadas e cair. Penteou os cabelos de qualquer jeito, sem a ajuda de Matilde, e saiu sem direção certa. A casa tinha a seu lado esquerdo, vinte grandes pés de manga e logo atrás deles alguns abacateiros, laranjeiras, amoreiras e outras árvores frutíferas. Em um dos pés de manga, no galho mais grosso, fora instalado um balanço feito de boa madeira e seguro por grossas correntes. Parecia-se com um banco largo de encosto muito alto. Era tão seguro, que quando criança, Sorte até mesmo dormia ali.

O dia estava quente e preguiçoso. Debaixo da árvore a jovem tirou de um bolso oculto na saia do vestido, seu exemplar novo do livro As Viagens de Marco Pólo. Quando o almoço estivesse pronto alguém a chamaria para comer, portanto, relaxou no banco e mergulhou na leitura.

Na vida real, a moça mal podia se aventurar longe de casa, mas nos livros que ganhava do irmão, ia onde queria. Ter livros era um luxo, claro. Inclusive, muitos chegavam escritos em inglês ou francês e para lê-los, ela aprendeu outros idiomas.

Sorte ficou tão evolvida na narrativa que não percebeu a figura atrás se si, em pé, lendo junto com ela. Tinha um sorriso no rosto por apreciar o livro tanto quanto a jovem.

— Muito bom autor. Quando terminar a leitura pode emprestar-me este livro? — O homem falou perto da cabeça de Sorte e ela deu um salto do balanço.

— A-a-a-Azarado! — O nome saiu como um misto de conclusão e repreensão.

Ele ria da expressão assustada de Sorte, que tinha uma mão sobre o coração enquanto hiper ventilava.

— Você está louco! Não assuste as pessoas desta maneira. Se forem sensíveis ascenderão para ver Deus antes da hora! — Falou nervosa enquanto batia um pé no chão.

A raiva de Sorte só fez com que ele risse mais. Lágrimas acumulavam nos cantos de seus olhos.

— Perdoe-me, senhorita. — Disse quando finalmente se controlou. — Sei que fui rude.

— Tudo bem. — Sorte falou entre dentes enquanto se sentava novamente no balanço sob a sombra fresca das mangueiras. — Se deseja falar com meu irmão, ele não está em casa por agora, mas minha cunhada, a condessa, pode atendê-lo.

Sorte apontou com o queixo para o caminho que levava até a entrada da casa. Era uma trilha de pedras achatadas com canteiros de flores nos lados.

— Não tenho pretensão de conversar com seu irmão. Fui à fazenda vizinha, lar de sua amiga Ofélia, para tratar de alguns negócios e quando voltava pensei em fazer parada por aqui e visitar a família. — Explicou.

Sorte não sabia o que dizer ao certo.

— Considero-me visitada. — Falou por fim. — Agora, se almejar ter com a condessa, informo que ela está em casa.

— Certamente está ocupada. — Ele concluiu. — Se importa se eu ficar aqui para apreciar mais uma parte desta história?

Azarado apontou para o livro que Sorte segurava.

— Não. — A jovem respondeu.

Feliz por ela permitir sua presença, Azarado sentou-se com cuidado no balanço enquanto a moça começava a ler em voz alta. Assim foram por cerca de vinte e cinco páginas, quando ela finalmente se cansou de ler. Foi vez de ele pegar o livro e ler mais vinte e cinco páginas enquanto ela ouvia encantada com a história e com a voz.

Sorte e o Marquês (Donas do Império - Livro 1) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora