Capítulo 14: A Bondosa Tia Mê E o Garoto de Olhos Violeta

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Minha visão ainda estava turva, porém mais clara. Mesmo assim, sabia que aquela era Brittle, aquele era o cheiro dela, a voz dela.

Ouvi passos por trás de mim. Impulsivamente, saltei para a esquerda, apontando meu arco para trás.

Era um garoto.

Não consegui identificar muito dos seus detalhes, apenas aqueles olhos que brilhavam uma cor violeta vibrante. Nunca soube de alguém que tivesse olhos cor violeta. Impossível aquilo!

Seus olhos, revezadamente, pousavam sobre mim e sobre Brittle. Eu, ofegante, com os olhos apertados, tentando enxergar melhor. Ela, caída dentro da casa, naquele chão frio de cimento grosso.

Ele se dirigiu para perto dela e se agachou ao seu lado. Segurei mais firme o arco. Uma dor aguda percorreu minha cabeça; soltei um gemido. Ele percebeu como eu estava me sentindo e me encarou: aquelas enormes esferas violetas intimidadoras.

Soltou um suspiro, levantou-se, veio até mim, estendeu sua mão e começou a falar:

— Olha, — sua voz aguda, estrondosa e, ao mesmo tempo, suave. — sei tudo o que aconteceu. — Tudo o que aconteceu? — Quando ela chegou aqui, carregando vocês dois nos ombros, eu a ajudei a cuidar de vocês, indiquei esta casa para descansarem. — Brittle carregando a mim e Ricardo nos ombros? Se não fosse absurdo, eu teria soltado uma gargalhada. — Por favor, venha comigo, mas não deixe que ela os veja, não tenho permissão para falar com ninguém! Está vendo aquele caminho ali? — apontou para trás e para esquerda. — Logo depois do portão tem um caminho que sai da estrada e leva ao rio, encontre-me lá às cinco horas. Nesse horário teremos mais tempo para conversar, sem ter que me preocupar em ser visto, falando com você.

Olhei para ele, confuso; abaixei o arco.

Assenti.

Saiu de cabeça baixa para trás da casa, para o barranco perto da macieira do qual eu emergi de suas sombras. (Nota Mental: tenho que pensar sobre isso depois).

Ele escalou o barranco e passou por debaixo de uma cerca que havia lá no topo.

Voltei para dentro da casa, peguei o corpo de Brittle e coloquei na cama em que eu estava deitado. Fui à pia, lavei meu rosto com água gelada. Olhei o relógio, meus olhos já haviam melhorado um pouco. Faltava pouco para as nove horas.

Deitei-me no beliche de cima.

O que eu vou fazer aqui até às cinco horas? Não posso simplesmente ficar parado, relaxando, enquanto tenho dois amigos deitados, sem saber se estão dormindo ou inconscientes.

Pensei por várias horas. Pensei, até mesmo, no lance que ocorrera entre mim e a sombra; só pude chegar a uma conclusão: isso, com certeza, tinha alguma coisa a ver com a fênix negra, minha parceira. Não havia, realmente, nenhuma outra explicação nesse mundo, sem contar com magia, pactos, técnicas que envolvem tempo-espaço... Enfim, preferi aceitar minha primeira opção, já que o resto, em relação a mim, não poderia existir.

Depois de tanto pensar, decidi me levantar e agir. Para minha surpresa, minha visão já estava normal, meu corpo relaxado. Sono me invadia, quase me forçando a deitar novamente.

Cochilei por um tempo. Acordei assustado.

Levantei-me, fui até à pia, peguei um copo d'água no filtro de barro que estava na parte esquerda. Olhei o relógio acima: quatro e cinquenta. Hora de ir me encontrar com o olhos-violeta. Joguei o copo dentro da pia, saí em disparada pela porta, sem saber se ficava feliz ou frustrado por ter caído no sono, por tanto tempo.

As Crônicas de um Singular - Livro 1: A Rosa PrismaWhere stories live. Discover now