Limpou o suor que lhe escorria pelas têmporas, sujando a pele de sangue, e percebeu que tinha que ser autossuficiente. Por ele, por Aidan, pelo irmão e pela melhor amiga. Até por Kim.

Alheio a tudo o resto, caminhou mecanicamente até à casa onde o cão ainda latia sem parar. Eles tinham um carro no jardim e Jake precisava dele. Ele ainda olhou para trás, para as três pessoas estendidas no chão, e tudo o que conseguiu fazer foi continuar a olhar.

A criança morreria. A criança morreria ao lado do pai e o pobre animal agoniaria perto deles, provando a sua lealdade, mas Aidan não merecia aquele fim. Nunca mais conseguiria encarar os pais dele e Rachel se o deixasse na estrada, se não fosse sequer capaz de honrar a morte do melhor amigo.

Jake revolveu a casa do carrasco de Aidan e da criança, abasteceu o carro com tudo o que lhes permitisse sobreviver, e então fez o que tinha de ser feito.

***

Rachel e Kim estavam na sala de convívio do pequeno hotel há algumas horas. A morena parecia apática desde que Aidan e Jake saíram, e Rachel insistiu para que ela se abrisse, lhe contasse o que a atormentava. Kim não podia falar nas injeções que tomava regularmente para poder sobreviver, não podia falar que fora aquilo que a salvara, e por isso a conversa acabou por seguir o caminho natural: Jake.

Lá fora, o sol brilhava em tons dourados, anunciando a tarde que não demorava. E Rachel tinha fome. Não havia nada naquele hotel que lhes permitisse fazer um almoço decente, por isso ela foi-se valendo das bebidas do bar. Foi quando se preparava para ir buscar uma lata de iced-tea, que ouviu o som de pneus sobre a gravilha. Depois veio o silêncio, e então Jake entrou.

Kim foi a primeira a vê-lo, e o alívio estampou-se de imediato na sua expressão. Queria muito dizer-lhe que não vomitara o sumo, mas a loira adiantou-se.

- Finalmente, Jake! - Rachel aproximou-se do amigo e finalmente o assombro tomou conta dela. - Oh meu Deus... - ela observou-o atentamente e levou as mãos para cobrir a boca boquiaberta quando sentiu uma enxurrada de perguntas tropeçar-lhe na língua. - O que é que aconteceu?

Jake respirava fundo e olhava para ela. Simplesmente olhava, porque ela era a melhor pessoa a lê-lo. Rachel também olhava para ele, para as suas mãos e braços nus cobertos de sangue e poeira, para o seu peito igualmente sujo e despido. O suor escorria-lhe pelo pescoço e misturava-se com a pasta avermelhada que lhe cobria a pele. Só depois ela o olhou nos olhos e percebeu.

- Jake... - Ela tentou sorrir para ignorar os pensamentos que a tomaram de assalto ao vê-lo de olhos raiados de sangue. A dor que viu neles foi o suficiente para se aproximar do amigo, apesar da confusão.

- Não me toques - balbuciou ele, com uma rouquidão que não lhe era inerente - Por favor. - Ele não queria que ela lhe tocasse, não era justo para ela ter que tocar-lhe no corpo imundo, manchado com o sangue do próprio irmão. E também não era justo ele ter de carregar um fardo tão pesado, porque não queria sentir tanto e porque Rachel não merecia. Acima de qualquer coisa, ela não merecia.

- Onde é que está o Aidan?

O tom de voz da loira denunciava-lhe o pânico crescente e ele não lhe conseguiu responder. Finalmente fechou a porta atrás de si quando sentiu novas lágrimas se formarem. Ele engoliu-as e acenou negativamente com tanto pesar no semblante que Rachel copiou-lhe o humor.

- Eu... Lamento, Rachel.

Ele ainda a viu cair sobre o sofá, adotando uma expressão de apatia debilitante. Queria muito confortá-la, dizer-lhe que lamentava e explicar-lhe em detalhes o que vitimara o irmão. No entanto não o poderia fazer. Não quando a culpa o dilacerava por dentro, quando a raiva ainda borbulhava em doses desmedidas, fazendo-o desejar mais do que nunca voltar atrás no tempo e impedir que Aidan se fosse. Ainda não conseguia admitir para si que o melhor amigo se tinha ido para sempre, muito menos conseguiria forçar Rachel a aceitá-lo.

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