36. Eu prometi, lembras-te?

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– Eu vou morrer, Jake. Agora tu não me podes salvar.

Ele franziu os sobrolhos em desentendimento e colocou-se de joelhos, com uma lentidão interminável. Esperou que ela continuasse, que terminasse o que lhe dissera sem rodeios. Ele acordara a saber que fora assaltado, traído por pessoas que se disseram honestas e lhes levaram dinheiro por aquela estadia. Percebera-se perdido naquele país enorme e, agora, Kim insistia numa ideia tresloucada. Do que é que ela estava a falar?

– O que é que estás para aí a dizer? – ele riu para afastar a hipótese de qualquer seriedade no que ela dissera. Não era a primeira vez que ouvia aquelas palavras. Ela dizia-o sempre que uma realidade nova lhe ela mostrada e que passava a temer. Dissera-o naquele dia em que tudo mudara entre eles, em que ela se tinha aberto para ele e pudera confiar finalmente nela; quando ambos perceberam que ela não poderia comer nada sem que vomitasse, quando ele finalmente percebeu que Kim era muito mais do que a rapariguinha frágil e amnésica que precisava de ajuda.

– Eu não quero morrer. – No entanto, daquela vez havia uma súplica no olhar que ele não conseguia nem queria perceber.

O sorriso desfez-se com a expressão dela. Preocupado, mordeu o lábio inferior diversas vezes, pensando numa forma de a abordar sem ofendê-la. Tinha acabado de discutir com David e a sua paciência era nula para conseguir suportar uma crise infantil e típica da rapariga. Não obstante, sentou-se em frente a ela e afastou-lhe as mãos da face assustada, certificando-se de que os olhos continuavam vítreos, mas sem lágrimas; os lábios contraídos, numa linha dura e impenetrável.

– Hey, tu não vais morrer – sussurrou, procurando o olhar dela. – Que história é essa?

– Desapareceram – murmurou ela, num fio de voz que ele não conseguiria ouvir se não estivesse tão perto. – Desapareceu tudo. Eu ouvi barulhos, mas a Rachel não acordou e... – ela gesticulou, sem terminar – Oh espera, tu estás bem?

– Estou. O que é que te roubaram?

– A minha mochila – Ela engoliu em seco e visualizou mentalmente o local onde tinha colocado a sua mala, na noite anterior. – Eu tinha lá tudo, Jake. Dinheiro e... e os frascos – Foi forçada a diminuir o tom de voz quando a sentiu falhar, quando se sentiu estremecer. Ou seria ele que estremecia perto dela? – Levaram-nos e eu não sei...

– Tem calma.

– Não me toques agora – pediu a morena, afastando-se da mão que lhe iria afagar a face e deixar que os seus pensamentos parassem de fluir com coerência. – Eu preciso de pensar.

E ele também precisava. Precisava pensar no motivo que levara alguém que vivia de um negócio hoteleiro a assaltar os seus hóspedes de maneira tão untuosa; no motivo que os levara a roubar aquela mochila velha e suja. Pensar em como ser racional o suficiente para poder ajudar Kim e ajudar-se a si mesmo, a conseguir superar tudo aquilo. Também podia pensar porque não considerara antes a hipótese de assalto e porque não a aconselhara a colocar os frascos num local mais seguro. Poderia pensar em mil e uma coisas mas nenhuma conseguiria fazê-lo sentir-se melhor.

– Eu tinha lá dinheiro. E agora?

Ela fitou-o com desespero, como sempre fazia quando precisava de uma resposta que só ele podia dar. Desta vez ele não sabia o que dizer.

– É só dinheiro, Kim. Não é importante. – O dinheiro deixara de ser importante face à prioridade da vida dela. Ambos sabiam o que acontecia quando ela se privava daquelas injeções que ele não compreendia. – Quando te injetaste pela última vez?

– Quando chegámos. Doía-me tanto a cabeça. Se eu soubesse...

– Tudo bem – apaziguou ele – Não guardaste nenhum frasco? Em lado nenhum?

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