13. Porrada de um velho gordo

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AIDAN sentia-se discriminado por ser a única pessoa sem máscara na fila da única farmácia aberta na cidade inteira. Todas as pessoas olhavam de soslaio para ele, e já ouvira observações atrás de si sobre a sua irresponsabilidade e ameaça para a saúde pública. Os típicos comentários divertiam-no e, ao mesmo tempo, irritavam-no. Era aquele tipo de pessoas que alimentava o drama em torno da simples epidemia. Talvez ele fosse ignorante acerca da doença e admitia não estar preocupado, mas pelo menos sabia que pouparia algum dinheiro em desinfetante e nas inestéticas máscaras. Recusava-se a fazer parte do negócio alimentado por hipocondríacos, fomentado pelos enganosos media.

Com um sorriso malicioso, espirrou propositadamente e conteve-se para não rir ao ver todos a afastarem-se dele. Como ele adorava estar rodeado de gente ignorante. Apenas uma pessoa se manteve imperturbável com a provocação, e Aidan não podia ter ficado mais surpreso e confuso ao perceber quem era.

– Kim? – murmurou, esforçando-se para recordar os traços da rapariga que a irmã fizera questão de acolher. Ela nunca falara com ele e parecia fugir quando se aproximava, mas ainda conseguia distingui-la entre os mascarados. – O que estás a fazer aqui? – perguntou de repente.

Ao ver a expressão de confusão nos olhos dela, riu e cruzou os braços, observando-a de uma forma que ela não parecia apreciar. – Não me digas que a minha irmã te mandou embora?

– Desculpe?!

Aidan franziu o cenho e desfez a expressão zombeteira ao vê-la verdadeiramente surpreendida. Teria confundido Kim com outra mulher? Kim tinha uma irmã gémea? Ou estava tão desesperado por companhia feminina que já confundia mulheres que nem sequer lhe interessavam?

– Precisa de alguma coisa? – um dos homens de máscara, com quem troçara há poucos minutos, enlaçou a rapariga pela cintura, num gesto possessivo, e puxou-a para si.

– Nada... – respondeu prontamente, confuso. Estava quase certo de que era ela. Eram tão parecidas... Tudo o que precisava para confirmar as suas suspeitas era afastar algumas madeixas da testa dela e verificar se havia alguma ferida. Se a reconhecesse e soubesse que ela saíra de casa de Rachel há pouco tempo.

Não. Não o podia fazer.

– Desculpem, pensei que fosse outra pessoa.

Aidan virou costas ao casal aborrecido e dirigiu-se para a saída. Precisava de parar de beber álcool urgentemente, arranjar uma namorada e fazer uma terapia sexual séria. Passar tanto tempo na América tinha mais efeitos negativos do que ele esperava.

 ***

Kim acordou de bom humor, algo que já se tornara um hábito nos últimos dias. Acostumara-se à sensação de mal-estar há alguns dias, mas enfrentara-a. Não ousara comer nada desde que vomitara tudo o que Rachel lhe oferecera, e o seu problema parecia ter diminuído. Continuava a sentir fome, mas pelo menos as dores de cabeça e as náuseas tornaram-se menos frequentes e menos intensas. Ninguém parecia excessivamente preocupado com a sua saúde, além da insistência para que ela se alimentasse, e isso a acalmava.

Acostumara-se a conviver com dois irmãos totalmente diferentes, com a doçura de Rachel e a impertinência e infantilidade do irmão dela. Acostumara-se a não temer aqueles desconhecidos e a questionar tudo o que a intrigava. Acostumara-se a viver como um ser humano.

Desceu as escadas lentamente, esperando ouvir risos e provocações matinais, como já era costume. Naquela manhã, porém, ouviu gemidos de dor e o som de pratos quebrados. Já se acostumara à ausência do medo, mas não conseguiu evitar tremer ao ver a desordem na sala e o movimento incomum na cozinha, com um rasto de sangue pelo chão.

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