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É tão impossível ver-se, do exterior, o próprio caráter como ver-se a própria letra. Tenho, com a minha letra, uma relação unilateral que me impede de a ver em pé de igualdade com a letra de outros e de a comparar com as suas letras.

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Em arte é difícil dizer-se algo tão bom como: nada dizer.

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O meu pensamento, como o de toda a gente, tem a ele ligados os restos secos das minhas ideias (murchas) anteriores.

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A força dos pensamentos na música de Brahms.

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O caráter humano de várias plantas: roseira, hera, relva, carvalho, macieira, milho, palmeira. Comparado com as diferentes características que as palavras têm.

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Se alguém quisesse caracterizar a essência da música de Mendelssohn, poderia fazê-lo dizendo que, possivelmente, Mendelssohn não escreveu nenhuma música difícil de compreender.

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Cada artista foi influenciado por outros e mostra traços dessa influência nas suas obras; mas para nós o seu significado não é mais do que a sua personalidade. O que ele herda dos outros são apenas cascas de ovo. A presença destas deveria olhar-se com indulgênca, mas elas não nos proporcionarão alimento espiritual.

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Por vezes, parece-me que já filosofo com gengivas desdentadas e que olho o falar sem dentes como a maneira correcta de falar, como a maneira que mais vale a pena. Consigo detectar algo semelhante em Kraus. Em vez de o reconhecer como uma deterioração.

1933

Se alguém diz, suponhamos, que 'os olhos de A têm uma expressão mais bonita que os olhos de B', eu diria, nesse caso, que essa pessoa não está certamente a usar a palavra 'bonito' para se referir ao que é comum a tudo o que chamamos bonito. Está, pelo contrário, a jogar com a palavra um jogo com limites bastante estreitos. Mas o que é que isto revela? Teria eu presente alguma explicação restrita, particular, da palavra 'bonito'? De modo nenhum. – Mas talvez não venha sequer a sentir-me disposto a comparar a beleza da expressão de um par de olhos com a beleza da forma do nariz.

Assim, talvez devêssemos dizer: se existisse uma língua com duas palavras de modo a que na houvesse referência a algo comum a tais casos, eu não teria dificuldade em usar uma destas duas palavras especiais para o meu caso e a minha intenção não seria empobrecida.

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Se digo que A tem os olhos bonitos, alguém pode perguntar-me: que é que há de bonito nos olhos de A?, e eu talvez responda: a forma amendoada, as pestanas compridas, as pálpebras delicadas. O que é que estes olhos têm em comum com uma igreja gótica que também considero bela? Deveria dizer que me provocam uma impressão semelhante? E se dissesse que em ambos os casos as minhas mãos são tentadas a desenhá-los? Isso seria de qualquer maneira uma definição restrita do belo.

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