Morte Cerebral

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Renée voltou ao leito de UTI e embora já pudesse ir para casa, pois seu plantão havia terminado,  uma força maior o deteve de modo inexplicável, tanto que acabou ficando por ali. Conferiu as prescrições, medicações e os parâmetros da paciente. Aparentemente tudo estava bem, sinais vitais estáveis, afebril e sem sangramentos. Porém ela ainda estava em coma, tal qual como quando chegou ao hospital, inconsciente e sem respostas neurológicas. Por essa razão aguardava a avaliação pós operatória da equipe de neurocirurgia e contava com a esperança de uma boa notícia,  ou algo que mudasse a perspectiva do caso, alguma luz que ele mesmo temia não haver... Enquanto isso,  disfarçava a angústia da espera, pensando em quem aquela garota poderia ser... Se possuía uma família ou alguém... E a observava sem parar... Olhava seu rosto e admirava aquele semblante  que era por demais sereno e não traduzia o estado crítico pela qual a garota passava,  ao contrário, transmitia uma paz transcendente embora sua vida estivesse por um fio... Para ele, era uma paciente diferente, única, linda de uma beleza que nunca havia percebido em nenhuma outra mulher,  seus traços eram delicados e ao mesmo tempo transmitiam uma  força interior resoluta e inquestionável... Uma mulher de fibra com certeza,  mas, agora,  absolutamente frágil e profundamente só, refém dos vários aparelhos à sua volta, cercada por pessoas profissionalmente muito competentes mas, distantes e frias... Era, em parte, como ele mesmo, muitas vezes, se sentia... Aprisionado numa solidão catastrófica... Tentava de várias maneiras mas não se via de modo algum como pertencente a esse mundo... Por isso nunca foi além de breves namoros pois inevitavelmente acabava percebendo que sua parceira não o completava... Algumas vezes, concluía com imensa tristeza que estava preso numa teia de conveniência... Outras vezes nem isso... Na verdade a origem do vazio em sua alma era a sensação da falta de algo... Algo que nunca teve e como isso, evidentemente,não era lógico, definia como saudade... Saudade de outro lugar, outra vida, outras coisas... Principalmente de um mundo com honra, amor e lealdade e não essa farsa na qual a humanidade vivia... Nossa sociedade, civilização ou mundo real, não importa como fosse definido, no final das contas se resumia a um lugar onde o cinismo imperava...

"Por favor, não morra em minhas mãos..." Era o que repetia  constantemente para si mesmo como um mantra de esperança...

—Dr. Renée... Uma mão toca o ombro esquerdo do jovem médico, era o chefe da equipe de neurocirurgia acabando de chegar para fazer a avaliação pós operatória.

—Desculpe dr. Módena, estava aqui compenetrado com esse caso...

—Não precisa se explicar, é compreensível, pois é um caso mesmo de prognóstico bem reservado, como você sabe houve uma fratura na base do crânio, entre outras lesões cerebrais, porém essa é a que define a situação da paciente.

— Dr. Módena desculpe, mas poderia me explicar melhor do que se trata, pois  essa questão não ficou muito bem detalhada nos relatórios... — Qual seria essa situação?

— Ah, claro, sem problema algum, houve um trauma muito severo na base do crânio, uma fratura com vários fragmentos  ósseos e um desses fragmentos comprimiu e lesionou o tronco cerebral, foi bem sério e acreditamos que deva ter comprometido todo o sistema de suporte vital  da paciente, de tal modo que está totalmente mantida e dependente dos aparelhos... Assim sendo, embora o coração ainda apresente batimentos são meramente originados de reflexo vegetativo, ou seja, sem nenhum suporte cerebral.

— E isso significa... Interrompeu Renée.

—Acreditamos que se trate de morte cerebral, infelizmente...


A Última BansheeWhere stories live. Discover now