8. DESPERTAR

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A parte mais estranha de ter um intruso em minha cozinha era de que eu fiquei extremamente aliviada quando o vi. Era um simplório felino, virou o rosto ao me ouvir se aproximar pelo barulho do sapato no piso. Ele ficou me encarando, encima da bancada da pequena cozinha retangular e com uma das patas sobre uma embalagem que eu esqueci de jogar fora.
- Ah, oi. - Eu disse, aliviada e sem a menor noção como se eu estivesse em um livro de Lewis Carroll e o gato começasse a falar. - Você me matou de susto.

Me aproximei do gato, mas ele recuou cauteloso pelas patas traseiras e ameaçou a pular no chão, saltou até o piso com elegância e me encarou piscando os olhos amarelos, a pelugem em uma cor de preto obsidiana destacava dando cor a minha pacata cozinha.
Ele se aproximou e aninhou em minhas pernas ronronando ao passar o rabo pelos meus jeans. Fiquei paralisada, e então não soube o que fazer até que agradeci e caminhei pelo outro canto da cozinha coçando a cabeça e me perguntando o que dar para um gatuno ladrão. Eu teria que comprar ração de gato, mas eu não ia ter esse gato, talvez ele fosse de alguém do prédio, ou talvez eu tenha deixado a janela aberta de novo - isso tiraria um pouco da parcela de culpa de Ron, o garotinho que jogou uma bola janela adentro.

Tá legal.
Eu não ficaria com o gato, mas não poderia fazer um sanduíche para um gato comer, então se eu estava decidida a deixar ele passar o resto do dia comigo eu deveria ao menos alimentar ele de forma decente.
Mas parte de mim sabia que eu só estava me adaptando a adotar o animal porque ficar sozinha em meu apartamento era sufocante, horrível, e desumano. Sempre achei que morar sozinha fosse resolver a questão de privacidade e querer meu espaço, mas saber que eu tenho total espaço e privacidade me dava também a reação de que o tinha ninguém comigo em uma noite ruim, e nem comigo quando eu conseguisse algo bom ( pelo menos o gato iria ronronar ). Essa comunicação eu tinha que admitir ser melhor do que a comunicação desnecessária dos humanos.
Então decidi fechar a janela, mais uma vez aberta e olhei para trás e vi que o gato me seguia.
- Tá bom, passe a noite. - Eu disse mas a mim mesmo do que para ele: - Não faz mal nenhum, né?

Depois disso tirei minha velha bolsa de alça preta, pondo ela nos ombros e caminhei para a porta do apartamento. Abri a mesma e olhei melancólica para a sala, o animal se aninhou em um monte de caixas e deitava com as patas abaixo do torso e a cabeça ainda alerta, piscando olhos amarelos para mim.
Quando voltei estava com um pacote de ração pequena para ele e um pacote de salgados para mim, estou fora do programa então que se dane calorias, venham a cavalo colesterol.
Fui até a cozinha e ajeitei uma vasilha que eu comia cereais - eu poderia abrir mão dela - e despejei ali o alimento para o gato, ele sentiu o odor e seguiu miando, como um murmúrio estridente e abafado. Enfiou a cara na vasilha enquanto comia, dei privacidade e abri a geladeira tirando uma lata de Coca, peguei o pacote na bancada e fui até meu quarto; já estava a noite quando percebi que passei a tarde toda mexendo em meu computador, eu estava pesquisando sobre tudo, pesquisei sobre Madame Ward, sobre a Academia.
Pela minha recente pesquisa, pelo que entendi a academia Hemingway foi fundada em 1908 por Alfred Hemingway e Jill Burwell, ao descer pelo blogue consegui entender que Alfred era um homem rico na cidade, e seguia pela foto em tempos antigos de onde seria a Academia a cem anos atrás - um prédio menor e mais simples do que hoje ostentava -, e Jill era uma professora de dança clássica. Eles estavam supostamente juntos na época, mas Alfred que mostrou ao ser fotografado um homem mais velho, tinha família que moravam em Londres, havia uma lista de nomes das primeiras bailarinas, a página era cheia de opiniões do autor o que intrigava-me a continuar a mordiscar às doses cavalares de sátiras. Alfred era o diretor da Academia e ela só virou formalmente uma Academia de Dança Clássica em 1909. Em 1914 quando o terror da guerra assolava o palco europeu a Academia suspendeu até o período de 1919, quando os restos da bela época e o sangue da guerra pairava cá em Fawkes, a professora Burwell se casou no período da pausa da Academia mas logo depois seu marido foi enviado a Paris em segunda demanda, viúva, em 1919 contou novamente com o apoio contínuo de Hemingway; dez anos depois, ela continuou fazendo atrações que marcaram a história artística da cidade, e importante para que a alta classe ficasse saciada com o ballet e o teatro que começaram a frequentar o local, e ao redor da Academia se fez vários prédios ( que perduraram até hoje como pubs e livrarias ) em 1923 Hemingway morre. Pelo que me pareceu, foi um grande lamento por toda a cidade mais tarde em meados do final de 1920 a Academia entrou em colapso ficando a beira de fechar mais uma vez - mesmo com o apoio da classe burguesa - com o desfalque na diretora, Burwell e a academia foram salvas por uma nova família vinda de Norfolk, Tate Hendeston.

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⏰ Última atualização: Jun 17, 2019 ⏰

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