3. TROCA DE OLHARES

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Os dias seguintes foram tediosos, resumindo eles em frases curtas.

Passei o próximo dia ao teste sentada em casa com o pé dolorido, descobri que tinha mais coisa do que precisava nas caixas que minha irmã trouxe, e com o pé dolorido; eu pude organizar tudo na cômoda de meu quarto. Deixei meus livros no armário da cozinha pois não tinha lugares melhores e já que eram fixos, velhos e cheios de prateleiras que eu nunca iria abrir, resolvi guardar outras coisas úteis. Passei o resto do dia lendo Shakespeare.

No próximo dia, resolvi sai de casa. Conhecer o bairro, meu pé estava melhor mas não iria me arriscar a cair de cara no chão porque meu pé não iria aguentar. Descer as escadas do apartamento foi um martírio, demorei minutos para descer ao saguão magrelo e desajeitado, empurrei a porta de ferro com vidraças quadradas em cima sujas de marcas de água. A porta rangeu o barulho estridente ao encostar a ponta no chão de cerâmica cinza escuro. Segurei minha bolsa cinza velha e apalpei com a mão livre o encosto de tijolinhos desbotados do apartamento do lado de fora para me manter segura caso eu caísse, passei pela ruela de pedregulhos encostadas nas paredes enquanto pessoas passavam, o clima aqui não era o dos melhores; hoje o dia estava surpreso pela névoa densa e a rua era quase não vista até o final da ladeira decrescente que era a ruela aonde meu apartamento estava.

Comprei algumas coisas que precisava no mercado, passei pela farmácia e fiz um cartão de inscrição, aonde peguei um analgésico básico para o pé que tive que alegar ao farmacêutico estar doendo, e não ser uma degenerada. Quando voltei ao apartamento demorei mais ainda para subir com duas sacolas de compras nos braços e quase caí duas vezes. Quando fui ao 2° andar aonde ficava meu mísero apartamento, eu regalei os olhos quando vi um garoto na minha porta. Devia ter uns 11 anos, o cabelo loiro claro bagunçado e suado e a expressão quando me viu foi de uma surpresa agitada.

- O moça! - Ele exclamou e eu "andei" ( na verdade quase que igual a um zumbi ) até ele e então ergui uma sobrancelha.

- Hein?
- Minha bola caiu no seu apartamento, eu e meu amigo Mika estávamos jogando e ela desceu pelas escadas de emergência, você não fechou sua janela mas minha mãe acha feio entrar na casa de estranhos sem ser convidado.

Forcei um sorriso, e então abri a porta e ele ficou observando até que a ficha caiu e ele enxugou a testa suada e eu cedi entregando uma sacola a ele. Agradeci enquanto colocava a chave na fechadura e abria.
- Você mudou não faz muito tempo né? - Ele disse com a voz fina de criança.

- Ah, sim.
- Você é casada?

Abri a porta e então fui obrigada a rir com ironia disso, que pergunta espontânea é claro que não foi medida por uma criança de onze anos.
- Não, não sou casada. - eu disse abrindo a porta e esperando que ele entrasse primeiro, deixei a porta aberta e pus a sacola na mesa da cozinha mandando, ele fez o mesmo e depois tirou o cabelo da testa avaliando minha casa, e correu até a sala ao encontrar uma bola de couro perto das caixas.

- Eu sou Ron, tenho quase onze anos. - Ele disse pegando a bola e aninhando debaixo do braço e me encarando, eu estava escorada no batente.

Disfarcei a expressão de deboche que surgiu em mim, era tão surreal. Que situação estranha.

- Savie, prazer Ron. - Eu disse e esbocei um sorriso, dessa vez sincero. Passei uma mecha de cabelo por de trás da orelha e então ele olhou para mim maravilhado.

- O que houve com seu pé moça? - Ele perguntou apontando para meu pé na sapatilha normal e enfaixado. - Quer dizer, Savie.
- Eu machuquei dançando.
- Você é dançarina?
- Bailarina. - Eu corrigi torcendo os lábios, não sei se era mais. Isso me fez lembrar do meu teste.

A Colina VermelhaWhere stories live. Discover now