5. CONFLITOS

9 3 0
                                    

Eu não havia dormido o suficiente, acordei de vez em quando me revirando na cama e quando finalmente os raios de sol brilharam pela janela suja de meu pequeno quarto, afastei a persiana me sentando na cama e me inclinando para ver a janela. Era de vista para a ruela de pedregulhos, era muito cedo ainda; mas seria melhor acordar cedo o suficiente do que ter que encarar meus sonhos dispensáveis e instáveis em que eu não sabia separar a irrealidade da verdade.

Após me aprontar decidi seguir o percurso a pé, pois eu já havia decorado todo o caminho da janela do ônibus e eu precisava clarear a mente, Fawkes era razoavelmente grande; cercado por campinas que agora estavam cobertas pela névoa de fim de ano, o tempo caira muito. E eu mal percebi que já tinha se passado duas semanas desde o teste. Me apertei no suéter azul marinho enquanto eu me afastava do bairro aconchegante mais pobre aonde eu morava e caminhava pela estrada de pedras na calçada - de vistas a campina - que liga os bairros residenciais ao centro da cidade. Consequentemente meu pé iria doer mais por estar indo a pé, mas eu tinha tempo suficiente para deixar ele descansar quando chegasse, fiquei olhando a paisagem ao lado o finito mar verde de folhagens as cores não tão vívidas tomavam o acinzentado do inverno, torci a boca enquanto me encolhia em meu suéter. Minha respiração em contato com a temperatura ambiente soprava fumaças de calor em fusão com o ar frio. Enfiei as mãos no bolso do jeans surrado e continuei andando com meu tênis confortável que eu adorava por ser menos doloroso do que as sapatilhas masoquistas que eu vestia.
Me passou pela cabeça todo o ensaio, já havíamos passado para outra cena e eu não aparecia tanto mais, eu fiz uma aparição e o resto fiquei atrás, junto as outras garotas. Mas a peça havia muita divergência de sexo, a maioria dos personagens eram homens e com isso as mulheres foram chutados a plano de fundo. Eu não esperava um papel melhor, me conformei de conseguir fazer um papel no ballet. Era complicado demais entrar e eu não iria jogar pelo ralo a chance.
Caminhei pelo resto da longa e gélida estrada até avistar de longe os monumentos do centro da cidade, eram apenas uns três quilômetros de distância entre o bairro e o centro da cidade, mas me pareceu absurdamente uma década.
A sensação era libertadora por ora, poder escolher todas as minhas decisões, achei que me mudar seria pior do que realmente é. Decido que gosto de Fawkes. Andei pelas ruas do centro tentando me lembrar aonde exatamente seria, atravessei uma ponte que cortava a cidade ao meio era uma única ponte de arquitetura branca com vigas e metais suspensas em uma arquitetura moderna abracei meu corpo em uma cruzada de braços e permaneci assim até atravessar toda a ponte, os carros e ônibus passavam pela ponte quase que como em sincronia, todos organizados e controlados atravessei a ponte enorme e segui pela rua em que o ônibus fazia curva para um trevo e quase fiquei perdida até achar um prédio de tijolos conhecido, a cidade era toda antiga, as estruturas ali era clássicas feitas de tijolos e pedras muitas das vezes, apenas reformada mas a aparência era exatamente a mesma a 100 anos atrás. Isso eu podia jurar com meus dedos cruzados.

Quando entrei pela rua vi pela esquina uma loja de discos e ao lado o Porky's, após decidir se deveria entrar ou não, decido que sim.
Entrei pela porta e senti o calor por causa do aquecedor e me senti grata por isso, de longe no som do bar e lanchonete tocava uma música do The Jam. Me senti confortável o suficiente e tirei meu suéter ficando apenas de uma blusa de manga comprida amarelo canário e joguei os cabelos por trás das costas afastando as mechas castanho claro.
Quando me sentei ao banco alto junto ao balcão e me inclinei para frente com as mãos como suporte e deixei o suéter entre as pernas e fui atendida pelo garçom.
- Como posso ajudar? - Ele concertou a boina por sobre o cabelo preso em um elástico, em cachos escuros.

- Um café puro. - Forcei um sorriso mas imaginei meu rosto em minha cabeça, a expressão cansada o suficiente e desejei não ter forçado um sorriso.
Enquanto ele se virou para preparar o café fiquei brincando com a malha do tecido do suéter em meu colo, ouvi ao meu lado uma cadeira se mexer e então virei o rosto.
- Café? - A voz melódica disse e eu me assustei virando automaticamente.

A Colina VermelhaWhere stories live. Discover now