2. UTOPIA

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Eu havia pensando em milhares de formas diferentes. Formas diferentes de como eu enfim executaria o teste, nestas formas eu conseguia o papel principal feminino - Julieta Capuleto - e não acabaria de cara no chão.
Quando isso aconteceu foi tão rápido. Meus pés desequilibrando logo cai, a posição delicada que eu tentei executar e que por ironia já havia feito a tantas vezes que tinha se tornado hábito, era um passo tão suave. Tão sereno.
A adrenalina subiu a cabeça e voltei a vida real, pus as mãos na madeira firme arranhada e senti mechas das franjas de meu cabelo cobrirem os dois lados de meu rosto, a música parou pouco depois de eu cair o pianista interrompeu a melodia e o som da sala foi preenchido por um coro conjunto de preocupação. Fiquei caída com as pernas uma em cima da outra meu tornozelo doía, eu devo ter torcido ele.

Sua burra. Burra. Pensei comigo mesma, ficando brava por um segundo, sentindo o calor do momento subir a meu rosto e ele ficando vermelho.

- Senhorita? - Eu ouvi uma voz afetada dizer de longe, eu havia esquecido de prestar atenção no que os outros falavam, meu rosto ainda estava abaixado. Encarando o chão.

- Alguém deveria ver como ela tá. - Ouvi outra voz, não tive coragem de erguer o olhar, estava derrotada. - tão diminuída como um inseto.

Senti um aperto quente de contato em meus ombros, e desceu pelo meu braço esquerdo esticado como suporte no chão e me levantando para cima com certa delicadeza, quando tentei ficar em pé com a ajuda de alguém - que ainda não levantei os olhos para olhar - deixei meu tornozelo erguido no ar.

- Ela pode ter torcido o pé. - Era um voz feminina, ao meu lado.
Ergui o olhar, uma mulher me segurava e as outras garotas na sala se juntaram perante nós duas, de frente a mesa dos jurados.
- Você está bem? Ou cortou a língua na queda. - Foi uma pergunta retórica, encaminhada pela mulher velha que eu entreguei os papéis.

Encarei ela, as palavras recusaram a sair; meu estômago ficou frio. O homem sentado no meio na mesa, abanou a mão no ar. Exasperado ele disse:
- Ajudem ela a ir ao vestiário, vamos dar uma pausa.
- Que ultrajante... - Ouvi por final a mesma mulher dizer com sotaque londrino.

Mais braços me seguraram, os dançarinos que se uniram a me ajudar me levaram com cuidado, eu mancando em um pé só, mordi o lábio antes de dizer:
- Agradecida, eu posso...

Parei de falar quando vi ele, agora eu tinha novamente a atenção dele seus olhos claros como um dia ensolarado me olhando, os braços cruzados mas a expressão em seu rosto era de uma curiosidade cautelosa, fui levada até o vestiário me sentei com ajuda nos bancos sem encosto de madeira como os das escolas nos vestiários e muitas das pessoas se dispensaram dali, ficando um grupo cada vez menor de pessoas.

A garota que me segurou agora ajoelhada no chão retirando o laço de minha sapatilha ela tirou pedaço da meia e da faixa. Pude perceber que ela tinha sardas espalhadas no rosto, seu rosto era robusto e quadrado.
- Obrigada, eu não suporto pensar sobre isso.
- Tudo bem. - Ela respondeu tirando a faixa, olhei o vestiário; só restavam algumas pessoas que logo foram expulsas quando um homem de terno e elegante entrou na sala abanando com os braços as pessoas da sala.

Ele pôs as mãos na cintura e avaliou por cima do ombro da garota meu pé, ele fez uma expressão de empatia e ostentou as rugas da idade nos olhos e testa, após isso ele saiu da sala olhando para baixo mas logo ergueu o olhar.
- Foi tão ruim assim? - Perguntei.
- Não tá muito ruim, foi só uma torcida. Uma compressa e gelo pode resolver.
- Eu falo da apresentação.
- Oh. - Ela exclamou ainda olhando para baixo, e deixando com um movimento a sapatilha no chão e me encarou ao proferir. - Isso é incomum, não posso mentir não é sempre que isso acontece.
- Sempre? Você está aqui a quanto tempo? - Eu disse engasgada, recuperando a realidade.
- Dois anos, fui chamada para essa apresentação.

A Colina VermelhaWhere stories live. Discover now