30. Eu estou a sangrar!

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– Mas o que é que tens?! – insistiu Rachel, forçando a porta e obrigando Kim a berrar:

– Eu estou a sangrar!

– Magoaste-te?! – O assombro tomou conta das faces da loira. – Deixa ver, eu ajudo-te.

– Não! – gritou por instinto, assustada, mas forçou-se a acalmar. Rachel não lhe iria fazer mal. Iria ajudá-la, sabia. Todos a ajudariam.Deixou de forçar a porta e deixou a rapariga entrar. – Eu não fiz nada... – desculpou-se, apontando para baixo. Rachel não percebeu de imediato mas não demorou muito para compreender o pânico da rapariga e não conseguiu conter um suspiro de alívio.

– Meu Deus, Kim. Pregaste-me um susto de morte. Estás com o período?

Kim fez uma careta e negou imediatamente até se aperceber de que desconhecia aquele termo.

– Estou com o quê?

Rachel estudou a rapariga atentamente, esperando que a máscara lhe caísse, que se risse e mostrasse como fora divertido gozar com ela.

– Estás a falar a sério? – testou, abrindo o sorriso. Kim não brincava. – Assustaste-me, Kim.

– Pois eu ainda estou assustada! Não quero morrer. Chama o Jake. – Kim tremia e já não conseguia controlar o pânico. Rachel troçava da sua desgraça e não a ajudaria a estancar a hemorragia.

– Querida, o Jake não é a pessoa mais indicada, acredita em mim. – sorriu amavelmente e afastou-se para procurar a sua mala. Tirou uma pequena bolsa do seu interior e deliciou-se com a expressão de Kim quando esta viu o tampão que ela retirara. – Isto é capaz de ser a tua grande ajuda.

*** 

Ele queria conseguir parar de pensar nela. Adorava conseguir ignorar o beijo da noite anterior e poder reagir normalmente pela manhã, como se nada tivesse acontecido. Talvez repetissem as carícias quando ambos assim o quisessem, mas não queria ter de ser confrontado apenas algumas horas depois. Se não se tratasse de Kim, aqueles pensamentos seriam inúteis e ridículos. Mas era ela e até o mais ridículo deixara de ser ridículo quando se tratava dela. Não a devia ter beijado, conseguira concluir isso assim que a soltara e a vira encaminhar-se novamente para o seu quarto, mas nunca esperara que ela correspondesse, que suplicasse por mais, que se mostrasse tão recetiva a algo que envolvia proximidade com outra pessoa que sempre a assustara tanto.

Mas eras tu, Jake.

- Cuidado, Jake. Estás a perder o jeito.

Aidan interrompeu-lhe os pensamentos desnecessários e fê-lo virar-se em direção à voz. O amigo sorria, enquanto esborrachava um cigarro com o ténis e expelia o fumo pela boca, com graciosidade.

- Perdi alguma coisa? – Jake encostou-se ao carro de Rachel e franziu o cenho, sem perceber a insinuação do amigo.

- Acredita que não é por olhares para a porta que ela vem a correr. – O moreno demorou a entender o que lhe dizia.

- Ela quem?

- Ok, puto – O loiro riu. – Isso afinal é mais grave do que eu pensava. Esquece o vírus. Tu estás doente e já não sabes lidar com uma miúda. Lamento, amigo. – Aidan aproximou-se do amigo, bateu-lhe no ombro com uma sentimentalidade demasiado fingida expressa no rosto e, com um sorriso malicioso afastou-se, para ir buscar as restantes malas.

Jake percorreu o varandim com o olhar novamente e praguejou ao compreender o que o amigo notara. Não estava paranoico. Não perdera o jeito e continuava a saber lidar com miúdas. Nem sequer olhava fixamente para o quarto dela à espera de a ver sair. Chateado consigo mesmo, entrou no carro alugado. Esperaria ali por todos e não olharia uma única vez pela janela. Havia uma longa viagem a ser feita, a vida deles continuava em perigo. Não se vivia uma situação propícia a um romance quase infantil e já tinha idade para ter juízo.

Ele levou tão a sério a decisão de não voltar a olhar para o motel que não vira Kim sair do quarto. A rapariga correu pelo alpendre, com a grande e preciosa mochila às costas, como uma criança ao fim de um dia de escola. Ele só deu pela presença dela quando a porta do carro foi aberta e ela entrou, apressada. Sentou-se ao lado dele, tirou a mochila e suspirou fundo, acalmando-se.

Jake estranhou a reação e perguntou-se se fora ele o causador de todo aquele medo repentino. Teria ela chegado às mesmas conclusões que ele?

- A Rachel está doente de novo, Jake! Ela não pode estar simplesmente bem – disse Kim demasiado rápido para que ele percebesse. Ele apenas percebera que tudo continuava como sempre fora. Nada havia mudado para ela e não sabia se ficara desiludido ou aliviado com a constatação.

- Eu adoro-a, ela é tão querida, mas queria enfiar-me um... - continuou a rapariga, gesticulando e imitando o que Rachel lhe mostrara. - Oh esquece, supostamente não é conversa de homens. Mas queria mesmo que soubesses que ela está a endoidecer. Eu disse que não queria dormir com ela, ainda para mais supostamente o David não sangra e deve gostar mais do que eu. Oh desculpa, ela também disse que eu não devia falar-te nisto. Burra, Kim. Burra.

Ele poderia ter rido, já que não compreendera nada do que ela tentara dizer, mas Kim encostou a cabeça ao seu ombro e ele percebeu que apenas talvez não quisesse que ela lhe tocasse. A não ser que não tivessem de falar acerca da noite anterior não queria estar tão próximo dela. Não a queria afastar nem assustar, só não queria tocar naquele assunto. Com um sorriso esquivo obrigou-a a desencostar-se do seu ombro, abriu a porta e saiu, deixando-a mais confusa do que quando vira sangue na casa de banho.

- Hey, Aidan? – chamou Jake, ao ver o amigo descer as escadas do motel. Era a sua deixa perfeita. – Ainda é preciso ajuda? – perguntou, fechando a porta atrás de si com alguma força e encaminhando-se para o loiro.

Aidan passou-lhe uma pequena mala para as mãos e Kim abraçou o próprio corpo, enquanto o via voltar a entrar no motel. Apesar de não saber descrever por palavras sabia que fora desprezada e a sensação não era boa. Não podia ser depois da cumplicidade da noite anterior. 


***

NOTA DE AUTORA

O que retiraram da primeira parte do capítulo? Na verdade ele é uma continuação breve do prólogo para que o entendam melhor e possam juntar algumas das peças do puzzle Kim.  Vão começar a haver mais destes flashbacks daqui para a frente. Teorias? 

Porque acham que coloquei uma protagonista a ter a menstruação pela primeira vez? Talvez fosse apenas para aligeirar o ambiente, talvez não... 

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