7. DECODIFICAR

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Eu tinha tantas perguntas. O lugar e a forma que Lucius iria me levar demonstrava outras intenções na qual eu tentei negar, Charles estava disposto a facilitar nosso jogo de perguntas e abrir mão de seu orgulho para que eu pudesse entender o motivo dele estar na Academia. Foi quando virei assustada e vi que a mulher ao meu lado era Madame Satã ou Madame Ward como Debbie me alertou para chama-lá ela me olhou com desdém.
- Está gostando da peça? - Ela disse baixinho, mas eu pude ouvir e me abaixei na cadeira para ficar de mesma altura que ela.
- Sim, está maravilhosa.
- De fato. - Ela respondeu. - Porque temos ótimos dançarinos, não acho que você deveria estar entre nós.

Engoli em seco, abri a boca para responder mas fechei no escuro da sala. Ela prosseguiu;
- Eu carreguei este lugar por anos em minhas costas. E sei que também você é apenas uma bonequinha para os membros da diretoria, você não serve para nós querida. - Ela disse fingindo um tom de empatia, como se me compreendesse depois de me ofender. - Acho melhor não voltar na próxima semana.

Ela disse agora em um tom misto de ameaça e alerta, estremeci.
- Por qual motivo acha isso?
- Pelo mesmo que você fracassou no teste, não é boa o suficiente. - Ela disse. - Nunca irá mostrar seu valor, você só apenas tem uma única moeda.

Tentei pensar rápido em tudo o que ela dizia mas não conseguia sequer falar uma palavra, me senti estúpida. Apertei o assento aonde eu estava e tentei olhar para o palco visto de cima, desviando do olhar voraz de Ward.
- Onde estão meus modos... - Ela disse, me virei para ela. - Se assustou querida?

Se eu não tivesse ouvido comentários sobre Satã com certeza eu teria me convencido de que aquele sorriso era apenas de uma meiga senhora de idade, mas ia bem além disso.
- Agora sim parece para mim mais uma bailarina do que mostrou ser até agora. - Ela disse se divertindo com suas palavras e o forte sotaque da capital mais forte que um soco em meu rosto.

Fiquei imóvel, parada. Não consegui dizer nada - por mais que eu queria - permaneci assim até que o começou novamente às luzes escureceram de novo. Me levantei, pegando minha bolsa de mão que peguei em empréstimo de Debbie que me salvou pedindo para seu irmão trazer quando foi buscar ela. Quando saí bruscamente pisando no chão, tive certeza de que  Charles finalmente tirou os olhos da peça e me encarou por trás perplexo e querendo uma explicação para minha saída - muito e involuntária - dramática.

Caminhei para fora da varanda que dava ao teatro e fui até o corredor aonde às luzes eram melhores e me encostei na parede. Sem ar e absorta em desespero, me senti tentada a sair correndo, chamar um táxi com o resto do dinheiro que eu trouxe e me enfiar debaixo das cobertas e chorar baixinho até isso tudo passar com o amanhecer do dia...

- O que houve? - Charles apareceu, seu rosto esbelto me encarando, sua boca era irresistível mesmo naquele momento em que eu nem pensava nele dessa forma.

Não respondi.
Ele pôs a mão na cintura e me encarou, ficou em silêncio achei que ele ia dar às costas e voltar para dentro, mas ele permaneceu.
- Foi Madame Ward?

Neguei, mentindo.
- Sou eu... - Eu suspirei desolada. - Não acho que eu consiga ficar nesse programa.

- Do que está falando? - Ele se aproximou, ele estava preocupado.

Evitei olhar para ele, já era absolutamente tentador estar tão perto dele.
- Acho que eu não posso, tá legal?
- Isso tudo só porquê você ouviu demais uma pessoa.
- Uma pessoa com ótimas críticas. - Murmurei carrancuda e ele entendeu meu tom de ironia.

Ele se aproximou muito de mim, minha respiração era irregular.
- Eu tenho uma pergunta. - Eu disse.
- Chega de perguntas, o que acha?
- Não acho que eu deva... - Ele me interrompeu.
- Eu proponho isso, uma conversa sem perguntas.
Eu não pude evitar, ri de nervoso; ele ainda estava muito perto.
- Não sei o por que de ter vindo hoje. - Confessei.
Ele mediu às palavras, não podia perguntar nada. Não naquela conversa, ele riu sabendo que eu tinha pensando que ele iria perguntar o "porquê".
- Me desculpe pelo café, fui muito rude. - Ele disse cordial.
- Me desculpe pelas perguntas.
- Que dia... - Ele sorriu, apoiando a mão na parede ao meu lado, me cercando de um lado. - Você vai voltar e terminar a peça?

Tudo que eu conseguia ver ali, era seus olhos; estava absorta presa neles. E naquele momento eu percebi que estava apaixonada em Charles.
- Não. - Eu disse.

Ele assentiu, e me deixou ir.
Eu tinha que decodificar ele, seria difícil. Mas agora eu tinha que me manter em pé, era muita informação. Eu estava no meio do corredor, decidi não olhar para trás mas podia sentir o olhar ele em minhas costas.
Senti um frio percorrer meu corpo, e quando vi já estava do lado de fora da Academia, poderia ser a última vez que eu entraria nela.

******

- Não, Lori. Eu não vou voltar para Lincoln. - Eu disse ao telefone com minha irmã.
- Mas deveria, você está sendo imprudente Savannah. Terei que ligar para mamãe?
- Não. - Respondi, seca.
- Você não me telefona mais, não sei como está; acho que eu deveria ir te visitar.
- Eu já disse Lori, não precisa vir e eu não vou para Lincoln. - Repeti, enquanto estava sentada na janela que dava para a escada de metal da saída de emergências do prédio, a janela tapando a partir de minha clavícula.

- Precisa de dinheiro?
- Não, vou arranjar um trabalho. - Eu prometi.
- Como pode ser tão espontânea?

Suspirei, e sai da janela abaixando minha cabeça para passar para dentro da sala, olhava o vestido encapado em uma sacola de vestido preta. E fiz uma cara triste. Ao menos vai receber o dinheiro do vestido, ainda está com etiqueta. Meu subconsciente foi lógico.
- Savannah? Está me ouvindo?
- Ah... claro. - Eu respondi, mas na verdade tinha esquecido de ouvir, como se alguma forma lógica isso fosse possível.
- Tudo bem, vou ter que sair. Vou a uma delicatessen se lembra da Steph?

- Claro. - Murmurei. ( Mas não lembrava era de nada ).
- Ela inaugurou uma Delicatessen e convidou eu e Jim para irmos... - Ela contou todo o resto da história.

E desligou.
Fiquei grata. E então enquanto tinha uma coisa em mente que era certa:

Eu não iria a Academia hoje.
Ela que se dane.
Peguei o vestido pelo cabide da sacola já pronto e peguei minha bolsa surrada cinza com às chaves no balcão da cozinha. Caminhei para fora do meu apartamento velho e enquanto saia pelas escadas eu vi Ron com uma espada de brinquedo subindo os degraus de dois em dois. Sorri, abrindo espaço para ele não me atropelar e ele nem pareceu me notar.

Quando saí estava nevando, uma neve espessa e forte. A rua toda coberta de branco derretida apenas aonde as marcas dos carros faziam sulcos nos pedregulhos cheios de neve. Peguei alguns ônibus até o lugar aonde eu tinha decorado para entregar meu vestido de novo.
Pus meu MP3 que estava carregado de músicas que foi um presente de um amigo na faculdade.

London calling to the
faraway towns
Now war is declared
and battle come down
London calling to the
underworld
Come out of the cupboard.

Gritou The Clash, olhei pela janela todo percurso e foi mais fácil me acoplar ao universo revoltante da música. Mas eu gostava, da confusão de timbres da música, melhor que ouvir alguma música da estação.
Fui até loja cara, devolvi o vestido e entreguei a nota fiscal comprovando a compra e o prazo de devolução ou troca, mas preferi meu dinheiro do que outro fútil vestido. Depois disso, estava propensa a ficar em casa o dia todo já que não tinha que aparecer mais a Academia de Dança pelo que Madame Satã ( ou Ward ) me ameaçou ontem no teatro. Resolvi ignorar talvez eu fosse mesmo uma péssima dançarina, talvez eu fosse mesmo tudo isso que ela dissera.
Meu apartamento estava vazio e solitário quando entrei, deixando a atmosfera mais pesada e mais difícil de suportar. A ideia disso.
Mas quando fui até a cozinha, e recuei assustada; era uma silhueta preta.

A Colina VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora