29. Deixa-me ficar contigo

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– Mas eu importo-me – insistiu, divertido por vê-la quase amuada de novo.

– Oh Jake, vá lá! – implorou, continuando a sua suplica teimosa e infantil. – Eu não quero dormir na cama de outra pessoa. Mas contigo nem me importo!

Não estava disposta a partilhar a cama com outra pessoa, senão ele. Qual era o objetivo de toda aquela insistência para que dormisse com ela? Ela procurara-o imensas vezes, alegando não conseguir dormir sem tê-lo por perto. Então conversavam como se fossem amigos desde sempre e ela regressava ao seu quarto, dormindo na sua cama. Sozinha.

Podia aceitar a sua perda de memória, as perguntas frequentes acerca de tudo, como se voltasse a ter cinco anos, mas um convite daqueles implicava uma intimidade que nenhum dos dois parecia disposto a partilhar. Por mais que ela fosse frágil e inocente, não podia ceder a todos os seus pedidos.

– Ok, percebe uma coisa. Não é normal os amigos partilharem a cama. Não quando querem que essa amizade dure... assim. Como é. – Jake tentou explicar o que seria evidente para uma jovem adulta como ela. Podia dizer-lhe que dormindo com ela, ceder a um tipo de tentação que ela não esperava, podia estragar tudo. Podia dizer-lhe que não merecia que o fizesse e que controlaria as hormonas. Mas não era verdade.

– O Aidan é teu amigo – ela associou imediatamente, sabendo que Jake e Aidan iam dormir juntos, na mesma cama, no mesmo quarto, tal como ela queria.

– Mas é totalmente diferente. Tu sabes...

Kim fitou-o demoradamente à espera de encontrar algum sentido para o que ele dizia na sua expressão.

– Tu és mesmo esquisito – disse, num tom inexpressivo. – O David e a Rachel dormem juntos e continuam amigos. Qual é o problema? – argumentou, feliz por ter tomado o casal como exemplo. Jake não teria como contrariá-la.

– Eles são namorados, Kim – explicou o rapaz, rindo da analogia dela.

– Hum... – hesitou para pensar. – Então e porque é que nós não somos? Eu não quero dormir aqui. A não ser que fiques. – Agarrou-se ao braço dele novamente e ele fechou os olhos, consciencializando-se de que dela deveria esperar tudo, até um pedido de namoro como se fosse a coisa mais banal do mundo! Como se fosse a coisa mais acertada a fazer só porque não queria dormir sozinha, com Rachel, mas com ele.

Gostava dela. Gostava muito, mas por vezes gostaria de saber porque ao fim de vinte e sete anos a vida lhe tinha reservado uma surpresa daquelas. Deixar o próprio país para umas férias de sonho e ser obrigado a viver uma vida que não a dele, a partilhá-la com uma rapariga totalmente estranha que salvara por mero altruísmo e solidariedade. Não queria nada daquilo. Gostava de poder regredir no tempo e de nunca ter ido à América.

E também gostava de a ter conhecido independentemente de tudo o resto, concluiu mentalmente, para seu desalento.

– Eu só espero que tu recuperes a memória depressa e não te arrependas do que tens dito... – murmurou, ignorando o que ela dissera anteriormente.

– Eu não quero recuperá-la. Eu gosto das memórias que tenho. Tu estás quase em todas e a minha vida antes de te conhecer deve ter sido uma seca. – Kim não conteve um sorriso malicioso ao aperceber-se de ter utilizado uma expressão que aprendera com eles.

– Bem, nesse ponto tenho que concordar. Aposto que as pessoas que não me conhecem são infelizes, mas não tens curiosidade em saber o que eras? – insistiu, querendo que ela mostrasse algum entusiasmo para voltar a viver como vivera até perder a memória. Ele tinha curiosidade em saber como ela vivera até então.

– Talvez tenha – tartamudeou, com um encolher de ombros. Deitou-se sobre o colchão desconfortável e fitou o teto. – Às vezes penso que gostava de ter uma família, uma relação como tens com o David, amigos como a Rachel ou como tu. Também gosto de pensar que fui útil em alguma coisa, que fosse normal e não tivesse que injetar aquelas porcarias porque me dói e eu não gosto. Também gosto de pensar que há alguém que gosta de mim e que anda à minha procura, mas depois também penso que mesmo que tenha tido isto tudo, vocês não fizeram parte disto e prefiro ter-vos do que memórias. Não preciso delas – concluiu, com um novo sorriso.

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