26. A melhor pessoa que eu conheço

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– Desculpa.

Já não havia motivos para pedir desculpa, quando ele sabia que ela voltaria a repetir a proeza, se tivesse oportunidade. No entanto, talvez se a convencesse que era culpada conseguisse algo em troca.

– Tudo bem, desde que me faças um favor.

– Oh, eu faço tudo, Jake! – guinchou a rapariga, entusiasmada com o perdão do rapaz. Colocou-se de joelhos em cima da cama, aproximando-se dele o mais que conseguia, e esperou que ele pedisse, muito atenta.  

– Volta connosco – Jake viu a expressão dela mudar drasticamente ao ouvi-lo e a encolher-se novamente, temendo o Mundo de novo.

– Não me peças isso – sibilou, angustiada.

– Porquê?

– Eu apenas não posso – sussurrou a rapariga, depois de pensar numa desculpa plausível para a recusa. Como podia arranjá-la se nem ela sabia o porquê daquele pânico irracional?

– Como não podes? O que é que aconteceu antes de vires para a Califórnia?

– Eu não sei – murmurou, séria e retraída. – Não me consigo lembrar de nada. Mas sei que não quero lá voltar. Eu não quero!

– E a tua família, Kim? – notando-a assustada, enveredou pelo caminho direto ao coração. Toda a gente queria a família por perto e Kim não seria exceção. – Os teus amigos, a tua casa, as tuas coisas? Não queres tê-las de volta? – tentou convencê-la, mas em vão. A rapariga meneou a cabeça e baixou o olhar para o colo.

– E se eu não gostar da minha família? Ou não tiver nenhuma? Nem amigos, nem casa, nem nada?

– Não podes pensar assim...

– Eu não sei nada sobre mim, Jake. Não sei se me quero lembrar de tudo. E também não quero que me deixes e tu vais fazê-lo. – Ergueu o olhar, recriminando-o por abandoná-la.

– Eu acabei de dizer para vires connosco.

– Mas tu sabes que eu não posso ir, portanto vais deixar-me na mesma.

Jake não conhecera miúda tão teimosa quanto aquela. Kim costumava obedecer-lhe cegamente e tornar os seus conselhos em leis e daquela vez parecia obstinada a atazanar-lhe o juízo e dificultar algo que era a solução perfeita para ela.

– Dá-me um motivo para cá ficares, Kim. Só um. Sei que és imune ao raio da doença e talvez não tenhas medo de cá ficar por isso, mas isso também é outro motivo para te levar a saber mais sobre ti, não? Dá-me lá um motivo, então.

– Tenho medo! – Parecia-lhe o motivo mais óbvio e não podia ter sido mais sincera. – Eu tenho medo de lá voltar. Era isso que querias que dissesse? Pronto.

– Medo, sempre o medo – barafustou, irritado com os receios dela. Haveria alguma coisa que não a assustasse? – Tens medo de quê? – forçou-se a mudar de tom ou tê-la-ia a sair disparada do quarto em segundos antes de conseguir o que queria. – Também tinhas medo de mim.

– Mas contigo é diferente. Tu salvaste-me.

Jake não soube o que dizer para a contrariar. Não gostava que ela dissesse aquilo. Fazia-o sentir-se um herói qualquer de um filme comercial de Hollywood e era apenas o Jake. Sem floreados, super-poderes ou falinhas mansas para a encantar. Ele era simplesmente ele e não alguém especial e bondoso como ela idealizara.

– Mete na cabeça, Kim, que eu sou normal e que o que fiz por ti faria por outra pessoa. – Mas ele sabia que não o faria. Não o voltaria a fazer. Se Kim ali estava, em frente a si, três semanas depois, a Rachel o devia, não a ele. Não a aceitara bem ao início e tê-la-ia posto na rua num piscar de olhos, se não lhe tivesse dado um voto de confiança que não daria a mais ninguém nos próximos tempos. Jake não costumava confiar nas pessoas. Nem sabia se confiava em Kim, mas sabia que podia dizer tudo o que queria à rapariga e ela dar-lhe-ia toda a atenção. – Eu não sou o Super-Homem, não vou proteger-te para sempre nem conter-me naquilo que digo e faço só para que não te assustes – No entanto fazia-o, mesmo que inconscientemente. – Sabes isto e ainda assim não me temes, portanto, vem.

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