Dois

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— É preciso coragem para ser diferente e

muita competência para fazer a diferença.


O que nos faz gostar do frio ao invés do calor? Ou vice-versa, sei lá. Talvez seja o não suar de um corpo e uma caneca de chocolate quente? Ou é apenas a boa sensação de sentir o gelado no rosto?

Por esses e outros motivos que acabo entrando no portal do tempo da minha mente e me distraindo, enquanto deveria estar quase pronto para o culto de hoje.

— Ettore, você já está pronto?

— Estou quase.

Minha mãe era boa de voz. E eu quase um mestre em dizer que estava "quase pronto", quando não tinha nem colocado a camisa social.

Quem foi o primeiro ser a mentir no mundo?

No caso dos cristãos, seria a tal da serpente que enganara Eva e Adão, certo? Mas pensando num ângulo mais científico... De onde viera a primeira mentira? Por que mentir acabou virando um hábito, afinal? Tudo bem, que é bem mais fácil contar boatos, do que dizer todos os fatos, mas por quê?

— Glória Deus, Ettore. Achamos que você não viria mais.

Se dependesse de mim, não iria mesmo. E poderia muito bem julgar o por quê deu ainda ter que comparecer as reuniões nos sábados, sendo que poderia estar dormindo neste exato momento. Já tenho 17

anos. Mesmo não sendo maior de idade, tinha minhas próprias opiniões.

Mas de relance, deixava passar. E fingia estar prestando atenção no que o pastor Marcus falava, quando estava prestes a chegar o final do culto.

Meu pai parou o carro numa vaga no estacionamento da igreja, e tudo indicava que se não apressássemos, não teria lugar para sentarmos. O lugar estava lotado e o culto começaria daqui há cinco minutos.

Antes que eu pudesse abrir a porta para sair, pus a mão no estofado do banco do carona para me apoiar, logo sentindo algo mole e duro ao mesmo tempo, que estava coberto pela blusa de frio da minha mãe. Ao tirar a blusa de cima, vi que era um livro... O que eu estava lendo na noite passada. Ali estava ele.

Algo para me salvar do grande tédio que seria.

— Vamos lá, querido. — Disse ela, já com sua bíblia em mãos.

***

Parecia que quanto mais o tempo passava, mais demorava para acabar. Eu já não estava mais aguentando. Por sorte, meus pais estavam distraídos demais para ver que eu lia o livro no meio da reunião. Mas por fim, a hora final tinha chegado. O pastor Marcus iria começar a pregar e logo em seguida tudo acabaria.

Porém, passar duas horas, quase três, dentro de um cubículo, não era para qualquer um. E não era para mim.

— Eu vou ao banheiro.

— Tudo bem, vá lá.

Não iria a banheiro nenhum. Só dei a desculpa para a minha mãe ter a noção de onde eu estaria. Não

poderia apenas sair dali sem dar uma satisfação que fosse.

Ao invés de seguir em frente para os fundos, virei à direita, num corredor não tão longo, seguindo para o lado de fora.

Nos fundos da igreja, havia alguns bancos, daqueles de praça, para podermos sentar.

Ao olhar para o relógio, vi que teria uma hora para ler o livro ou até mesmo fazer qualquer coisa de útil.

Não que ir para a igreja, não fosse algo de útil. Porém, não era algo de útil para mim.

Sentei de um modo que parecia ser confortável para mim no banco, enquanto eu lia página, por página do livro. O tinha pego na biblioteca da escola.

Tecnicamente, eu o roubei.

Ele estava jogado no canto, de uma das prateleiras. Não estava submetido a um código de barra,

como também não estaria no sistema, caso eu quisesse passa-lo na recepção.

Então, eu apenas o coloquei dentro da mochila e saí, como se nada tivesse acontecido.

Eu sei que fiz errado. Mas tenho o orgulho de dizer que não estou arrependido. De verdade.

— Tem isqueiro?

Um jovem garoto aparecera do nada ao meu lado.

Pelo que parecia, ele deveria ser um dos membros da igreja, pois estava com um terno de cor azul. A gravata mau feita por sinal. E o cabelo para cima num topete.

Seus olhos tinham uma pigmentação de verde bem claro.

— Não, eu não tenho.

— É uma pena.





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