"Subversivo" | Gabriela Garrido

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Como é poderoso quando o escritor faz as escolhas certas! Quando essas escolhas nos dão o suficiente para especular sobre a história, alimentando nossa curiosidade de forma crescente. A introdução de "Subversivo", de Gabriela Garrido, é um exemplo disso, construído por poucas peças que se desdobram em muitas outras na mente do leitor.

Agora, em meio à sujeira e ao abandono do depósito no qual estávamos, fiz o peso de meu corpo prendê-la no chão, enquanto minhas mãos enlaçavam seu pescoço.

Este é o contexto do início do livro. Gabriela nos engana, desvelando a ação nos fazendo acreditar que há um casal se divertindo num galpão abandonado.

Há tensão sexual, certa violência contida. Nada que de fato entregue a verdadeira ação, mas que instiga nosso voyeurismo. Somos impelidos a dar um passo a frente, a procurar um espaço escondido naquele depósito para que consigamos acompanhar a intimidade dos dois mais de perto.

Quem não gosta de uma perversãozinha? (rs)

E aí vem a primeira pancada.

Afinal, aquela doce garota encaracolada era responsável por um importante cartel de drogas nos subúrbios daquela pequena cidade. E eu, como um quase-herdeiro da Volk, uma respeitável facção de assassinos, além de ter a obrigação de gozar pela perfeita consecução de nossos objetivos, deveria sentir orgulho de limpar a sociedade de um verme como aquele, preso pela força de meus músculos.

Somos punidos por nosso atrevimento. Achávamos que estavam apenas exercendo nosso inofensivo voyeurismo e acabamos por descobrir que somos na verdade testemunhas de um assassinato.

Se de início, nossa mente acompanha o texto procurando decifrar e unir as informações sobre o casal travesso, somos de uma hora para a outra jogados numa outra avalanche de suposições e desconfiança ao descobrimos que o protagonista é um assassino e a bela mulher sua vítima.

Em meio a essa enxurrada de pensamentos, levamos a segunda pancada.

– Não sei se notou, Dimitri, mas ela já está mora.

Uma simples linha de diálogo nos arrebatada. Não exatamente por nos mostrar a crueldade de nosso protagonista, já estávamos, mesmo tão cedo, procurando argumentos para justificá-la, desculpas para acompanhá-lo em sua história, mas porque descobrimos que não somos os únicos invasores da intimidade do casal e testemunhas daquele um assassinato. Há uma terceira pessoa, alguém que nos tira a exclusividade de voyers.

Seja para algo bom ou ruim, gostamos de exclusividade.

Vamos falar um pouco da famigerada descrição? Muitos estremeceram nesse momento. Em mim, sempre corre um frio na espinha quando lembro do meu leitor beta pedindo para que eu descrevesse mais o cenário e os personagens do meu livro.

Gabriela é uma escritora perspicaz, que não perde uma oportunidade de chutar a bola quicando generosa na frente dela.

Tínhamos uma semelhança tão doentia que não nos parecíamos apenas nos aspectos externos. Nós dois tínhamos manias iguais – sempre sorríamos torto, mais para a esquerda do que para direita, e quando ficávamos muito putos com algo, nossas sobrancelhas quase passavam da testa, como se a intensidade da arqueada fosse reflexo do nível de nosso nervosismo. Também ficávamos irados muito rápido, principalmente quando estávamos perto um do outro.

O companheiro de Dimitri na missão introdutória do livro é seu irmão gêmeo, e Gabriela aproveita para descrevê-lo usando um momento de reflexão do protagonista. Uma boa sacada. Dá à descrição camadas importantes para que o leitor entenda o personagem muito além de sua aparência. Dimitri descreve as feições de seu irmão, suas manias, porque provavelmente passara anos de sua vida o analisando, procurando similaridades, quando talvez ainda o idolatrasse, e diferenças, depois de mais maduro.

É uma bela maneira de apresentar um dos subtextos psicológicos de Dimitri: sua relação conflituosa com o fato de ter um irmão doentiamente parecido com ele.

Como já disse algumas vezes. A descrição não pode servir apenas para apresentar características físicas. Torna-se pobre demais.

Certa vez, discorrendo sobre o tema, um leitor ponderou afirmando que, ainda que a descrição tivesse sua importância, caso ela fosse extensa e detalhada demais, ela acabaria por ficar enfadonha.

Concordo, mas precisamos parar de achar que descrição é sempre um parágrafo extenso, acerca das características de um cenário ou de um personagem, escrito pelo Tolkien.

Brincadeiras à parte, até porque adoro as descrições em Senhor dos Anéis. Considero-as importantes para a história e para o registro da Terra Média. Descrever pode muito bem ser feito com uma ou duas frases.

Ele estava sentado em uma das mesas detonas do local e sorria para mim. A garrafa de cerveja pendia por entre seu polegar e indicador, e o vidro suava em contato com o calor.

Sei que você, leitor, não tem todas as características do local em que os personagens estão tomando uma cerveja, mas, admita, você já consegue com essa migalha de informação construir uma cena completa.

E por que você consegue fazer isso? Por que sua mente é assustadoramente criativa?

Talvez, mas principalmente porque Gabriela nos dá algumas dicas que são certeiras. "...o vidro suava em contato com o calor". Pronto, não precisamos de mais nada para imaginarmos o cenário tórrido, a satisfação que os personagens devem estar sentindo ao tomar uma cerveja gelada.

Agora, preciso deixar uma coisa clara. Nem sempre a descrição deve ser solucionada com tamanha objetividade. Dependerá do momento do seu livro, do objetivo a ser alcançado pela descrição.

No caso de cima, Gabriela queria apenas salientar o calor, e o fez porque o calor eleva a temperatura do livro, acusa a tensão na relação entre os irmãos, do temperamento deles. E ainda contribuiu para um apelo sexual, ao fazê-los abrirem o zíper da jaqueta.

Mas haverá momentos em que você terá de incorporar Tolkien e fechar uma página de descrição. Tenha sempre em mente o objetivo que você quer alcançar com suas cenas. Não se esqueça disso. Não deixe a preguiça ou a ansiedade tomarem a decisão por vocês, ok? Rs

Talvez a característica mais interessante de Gabriela para mim seja sua capacidade de usar clichês para surpreender o leitor. Quando percebemos nossa familiaridade com a trama exposta, já estamos envolvidos como se tivéssemos testemunhado uma revelação cheia de frescor.

Dimitri é um anti-herói clássico. Um assassino com consciência. Um protagonista que carrega o peso de ser a sombra do irmão mais velho, já que ele foi o segundo a nascer, e a dor de ter "matado" a própria mãe. Elementos amplamente encontrados no mercado editorial, mas que se bem usados ainda nos envolvem, nos iludem.

Quando estamos começando no mundo da escrita é muito melhor focarmos em aprender a usar as ferramentas mais usuais antes de nos aventurarmos em territórios mais ousados.

...

Mais uma resenha entregue! Com atraso, mas entregue... rs
Espero que tenham gostado, em especial a Gabriela.

Agradeço a todos mais uma vez pelos comentários, votos e ajuda na divulgação. Vocês são demais! E que o ano tenha começado muito bem para cada um de vocês.

Enfim, consegui terminar meu livro! Foram 4 anos e meio nessa empreitada de muito esforço e de muitos aprendizados. Considero que meu primeiro livro foi minha "faculdade" de escrita. Espero que logo eu posso trazê-lo para essa plataforma. Estou ansioso. Aí as resenhas partirão de vcs! Rs

E como estão os projetos de vcs nesse começo de ano? O que planejam para 2019?

1001 Resenhas [Fechado]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora