"As Doze Promessas de Clarisse" | Marcos Chassim

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Desde o primeiro parágrafo o que mais me chamou a atenção na narrativa de Marcos foi sua capacidade de gerar e quebrar a expectativa

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Desde o primeiro parágrafo o que mais me chamou a atenção na narrativa de Marcos foi sua capacidade de gerar e quebrar a expectativa. O escritor de "As Doze Promessas de Clarisse" construía uma ideia e quando ela estava estabelecida, ele a contradizia.

Quando se é criança, as promessas sempre serão cumpridas e os sonhos sempre se realizarão. Não há mentiras, orgulho ou mágoa. O perdão é o ponto chave do coração puro e o amor transcende a dor da alma.

Ao menos, foi isso o que me disseram.

Eu fui uma criança diferente das outras. Não via tanta beleza no mundo e imaginava que a vida passaria rápido demais, por isso, não teria tempo para apreciá-la.

Perceba como Marcos cria para o leitor uma imagem ideal da infância, ingênua e calorosa, para então refutá-la ao afirmar que o protagonista é exatamente o oposto dela.

Ele opta por não partir desde o início descrevendo o protagonista como uma criança desiludida, um tanto egoísta, porque Leonardo, seu protagonista, sabe que não tem um comportamento ideal. Ele próprio tem consciência de que é diferente. Talvez até mesmo recrimine sua própria forma de ver a vida, mas a encare como uma defesa inevitável do seu ser. Além do mais, Leonardo me parece ser um jovem que gosta de confrontar, de negar o que é imposto pelos outros.

Enquanto eu era o furacão que devastava cidades, ela era o arco-íris anunciando a promessa de uma vida nova. Mas eu tinha que ensiná-la, de alguma forma, a ter pressa. Eu tinha que acinzentá-la com a ideia da vida adulta...

Leonardo não tem um pensamento pessimista sobre a vida por maldade, mas sim para se proteger. E é por amor à irmã que ele acha importante que ela também encare a vida de forma realista. O protagonista deseja apenas poupar sua pequena irmã das decepções do mundo adulto.

E, aí, quando aceitamos que Leonardo é um personagem pessimista que sonha com o momento em que ele não mais se importará com as pessoas, o escritor, mais uma vez, confronta o leitor com uma nova verdade.

Viver era assustador e eu não via sentido em nada.

Até o nascimento de Clarice.

E a quebra da expectativa do leitor nesse ponto é ainda mais radical que as anteriores. Mas antes de explicar toda essa "radicalidade", permitam que eu fale um pouco sobre a forma incrível com que Leonardo é apresentado para o leitor.

Na resenha "A Jornada dos Heróis" eu afirmei que apresentar um personagem é revelar ao leitor sua principal característica, ao menos a mais importante para aquele momento do livro. Pois, então, a de Leonardo é a pressa e é maravilhosa a maneira com que Marcos nos mostra isso.

Estava cercado por um mundo que me exigia pressa, e eu precisava me posicionar. Tinha pressa para entrar na escola. Pressa para ter habilitação. Pressa para aprender uma segunda língua. Pressa para me formar na faculdade. Pressa para me casar. Pressa para ter filhos. Pressa para poder começar a não me importar com as pessoas à minha volta e pressa para ensinar aos meus filhos que eles deveriam ter pressa.

Essa última frase é maravilhosa.

Marcos poderia ter usado qualquer outra característica em Leonardo (ganancia, mesquinharia, praticidade, egoísmo...) mas ele usa a pressa e ela além de sintetizar tudo de uma só vez, dá ao protagonista mais leveza, pois gera no leitor a já discutida Empatia. Nós, leitores, não nos reconheceríamos em Leonardo caso ele fosse simplesmente ganancioso, ávido por acumular riquezas, mesmo que soubéssemos de seu passado modesto e sua revolta pelo pai. Mas quando o escritor contorna os defeitos do protagonista relacionando-os diretamente com a crueldade do mundo em que vivemos, Leonardo passa a gerar empatia no leitor. Como não entender sua pressa? Como não aceitar seu medo de ser engolido pela concorrência sempre privilegiada e mais preparada?

Não é fantástica a escolha de Marcos? Serve como um ótimo exemplo de como devemos dar a devida atenção à forma com que apresentamos nossos personagens.

Mas voltando ao tema central dessa resenha, todos os comentários de Leonardo sobre sua infância levavam a crer que seu Arco Dramático, conceito que debati na resenha "Como Ser Uma Borralheira", seria exatamente o caminho percorrido até que ele compreendesse que as decisões do seu pai e as consequências trágicas vindas a posteriori não poderiam definir seu caráter, seu futuro.

Leonardo tinha de aprender que não adianta temer as futuras decepções. Que há única forma de se preparar para as intempéries da vida é simplesmente vivendo, estando sempre aberto às experiências e grato pelas oportunidades experimentadas.

Mas, então, quando começamos a prever a jornada de amadurecimento de Leonardo, vem o final do primeiro capítulo e Marcos nos oferece o seguinte parágrafo.

Não posso afirmar que a minha relação com o meu pai é do tipo conflituosa, pois sequer temos uma relação. Desde muito tempo, somos eu, a minha mãe e Clarisse.

Tudo o que eu preciso. Tudo o que eu amo.

Como vocês podem ver o protagonista de "As Doze promessas de Clarice", já no início da história, revela ao leitor que já havia concluído parte de seu Arco Dramático ao compreender que vida tinha, sim, dado a ele dois grandes motivos para agradecer.

Sua mãe e sua pequena irmã.

E isso me trouxe um conflito em relação ao livro.

Leonardo é um típico protagonista que, por conta da relação conflituosa com o pai, tornou-se uma pessoa autocentrada, ávida por alcançar o sucesso profissional. Apesar da justiça de suas intenções, o protagonista provavelmente se corromperia em sua trajetória, entraria num ciclo de sofrimento para então, no fundo do poço, distante de sua mãe e irmã, descobrir que escolhera uma forma muito egoísta de levar a vida.

Esse me parece, desde o início, o verdadeiro Arco Dramático do protagonista de "As Doze Promessas de Clarisse", mas Marcos o reduziu a um único parágrafo. O que me fez perguntar: que outro arco poderia ser melhor e mais poderoso que este?

Bem, para descobrir, só lendo o livro inteiro. E é por isso que eu não sei se essa escolha de Marco foi precipitada ou genial.

...

Voltei! \o/ (rs)

Antes de qualquer coisa, obrigado por todo o apoio que vcs me deram. Cada comentário de incentivo, cada voto... Eu só tenho a agradecer.

Espero que tenham gostado da resenha, em especial o Marcos. Sei que para entender melhor as escolhas de Marcos eu teria de continuar a ler o livro, mas, mesmo que eu tenha usado apenas uma informação limitada da história, serviu bem para os temas dessa resenha.

Bem, vamos às perguntinhas?

- Vcs gostam de histórias que são surpreendentes do início ao fim e que acabam por criar uma sensação de insegurança no leitor?

- Quais dúvidas vcs têm sobre "Arco Dramático"? Vamos dividir as dúvidas que ainda temos com os outros. 

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