"Lua Vermelha" | Ananda Gron

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Antes de começar o livro "Lua Vermelha", Ananda estabeleceu algumas regras para o "jogo" e, dentre as diretrizes, a que mais me chamou a atenção foi: a história foi planejada para funcionar como um roteiro de série televisiva.

Que fique claro, o livro não está em formato de roteiro, mas sim em prosa. Imagino que a ideia de Ananda tenha sido construir cenas com imagens poderosas que servissem muito bem numa tela de TV.

Bem, e como eu adoro um jogo e nunca procuro trapacear, li então o livro na expectativa de encontrar uma linguagem, digamos, mais cinematográfica.

Primeiro, deixe-me falar um pouco sobre narração.

Sendo bastante reducionista, podemos dividir uma narração em terceira pessoa em três tipos majoritários:

O primeiro é o "Narrador Personagem", que tanto pode ser o protagonista do livro quanto um personagem qualquer que pertença ao mesmo universo. Normalmente as histórias que recebem esse tipo de narração são contatas sob a visão desse personagem, que pode inclusive opinar a respeito da atitude dos outros personagens.

O segundo é o "Narrador Onisciente", que costumeiramente chamamos de Deus, por ele ter acesso aos pensamentos dos personagens e ter ciência do passado e do futuro da história.

E o terceiro é "Narrador Observador", o mais "cinematográfico" dos três, já que sua neutralidade ao descrever uma cena é a mesma que a câmera tem ao filmá-la.

Na maior parte do tempo, a Ananda usa, e usa MUITO bem, o terceiro tipo de narrador, o Observador, escorregando só algumas vezes quando deixa escapar um ou outro sentimento dos personagens.

No início do livro, apenas descrevendo as ações dos personagens, ocultando algumas informações importantes, Ananda consegue criar um clima crescente de mistério, ao revelar bem aos poucos os elementos da cena. Demoramos a descobrir que Elliot está encoleirado, e quando esse detalhe nos é revelado, mesmo que de forma despretensiosa, a história ganha ainda mais tensão.

O horror não está no que é mostrado, mas sim no que é escondido.

Nesses primeiros parágrafos, eu consigo imaginar uma câmera dançando pelo cenário, tamanha é força dos quadros que a escritora criou.

De início, a câmera revela apenas escuridão. Ouvimos passos. Na escuridão, inesperadamente, surgem pequenos olhos vermelhos. Um grito feminino ecoa pelo recinto. O pequeno garoto revela-se na luz fraca que entra no cômodo, ficando de frente para a câmera. Elliot, o nosso protagonista, acabou de assustar sua amiga enfermeira, Teris. Close na coleira metálica no pescoço do menino.

A câmera circula enquanto Teris e o jovem paciente conversam, e os persegue quando os dois saem pelo corredor. Elliot corre em direção a uma grande janela de vidro.

Pausa para um enquadramento belíssimo.

A câmera um tanto distante enquadra toda a gigantesca janela, com Elliot pequenino, em seu centro. O menino, de costas para a câmera e com as mãozinhas no vidro, nada mais é que uma silhueta negra ao ser envolvido pela brancura do jardim externo completamente encoberto pela neve que cai pesada.

Da negritude do início à claridade intensa da neve no fim da cena.

A beleza da melancolia numa única imagem.

Ananda oferece outros belos quadros ao longo do capítulo, como quando Elliot está na companhia de alguns doutores, num escritório, logo depois de descobrirmos o perigo que o menino representa. Em minha mente, visualizei o garoto, tão frágil por ser apenas uma criança, cercado por adultos de jalecos, numa sala com enorme pé direito, no qual a ironia está em sabermos que não é ele o ameaçado, mas sim a ameaça.

Poderoso, não?

O livro tinha de ter mais cenas assim. Na verdade, Ananda poderia imaginar que seu narrador é uma câmera que passeia pela história, e que ela apenas registra as ações, nada mais. Aconselho eliminar pensamentos e sensações dos personagens, focando apenas em passar as emoções deles para o leitor por meio de ações físicas e pelos detalhes no cenário.

Não é fácil, mas tornará o livro ainda mais rico.

Por exemplo,

Mori olhou para a carta preocupada, sentia um grande receio perturbá-la em algum lugar fora da razão.

A câmera não tem como saber que a carta perturbou Mori. Então, por que contar e não simplesmente mostrar?

Mori franziu o cenho e encarou por um momento a carta. De cabeça baixa, abriu os lábios com intenção de falar, mas sua voz demorou a sair.

– E o que faremos se ele ficar agressivo no meio daquela gente?

Outra forma interessante de imaginar a narração como uma câmera é usá-la como uma lente, afastando-a para gerar certa impessoalidade e frieza, e aproximando-a para criar intimidade com o leitor.

Por exemplo, na cena em que Elliot corre para ver a neve.

A cena começando aberta.

Elliot correu até a janela gigantesca de vidro, e foi engolido pela brancura do pátio tomado pela neve.

E terminando próxima.

As mãos do menino, grudadas no vidro, pareciam querer agarrar os flocos que se desfaziam na janela. Voltou-se para Teris com um sorriso que espremia seus olhos vermelhos, e implorou por uma visita ao pátio.

Todas as emoções estão aí sem que precisem ser anunciadas para o leitor. A afobação do menino ao querer agarrar os flocos de neve, sua clausura ao ser interrompido pelo vidro, a súplica para que pudesse sair do prédio.

Por fim, preciso destacar a habilidade da escritora em manipular a tensão.

Logo que descobrimos que o protagonista é uma criança diferente, de olhos vermelhos e de temperamento explosivo, internada numa clínica de recuperação, criamos a expectativa de que em algum momento ele será maltratado. A cada parágrafo, aguardamos a cena de uma possível tortura ou algum tipo de experimento que o faça sofrer.

Trata-se de um livro de suspense e mistério, que se passa provavelmente num manicômio, e histórias assim nunca são fáceis para nosso protagonista, não é mesmo?

Ananda parece saber disso, e nos tortura fazendo-nos esperar por algo que nunca aparece.

Parágrafo a parágrafo, o sofrimento do protagonista é posto para mais adiante. Todos os médicos que se aproximam de Elliot o fazem com delicadeza, o teste em que o menino é submetido soa como algo habitual, sem grande desconforto, e até mesmo o final do capítulo, em que muitos aproveitariam para castigar o protagonista, Ananda simplesmente dá a Elliot algo de bom.

Toda essa generosidade da escritora para com omenino vai, pouco a pouco, aumentando a desconfiança do leitor, e isso resultaem mais tensão, mais expectativa. Um jeito da escritora nos dizer que quando omistério começar a ser revelado, nós (Elliot e leitores) não seremos poupados. 

...

  Vamos continuar a conversa?

- Qual o tipo de narração que vocês usaram em seus livros? Qual o motivo da escolha?

- O que faz uma história de terror ser boa?  

- Vocês preferem uma história com violência explícita ou um terror mais psicológico?    

Espero que gostem dessa nova resenha, especialmente a Ananda, e agradeço a todos que comentam, votam e divulgam o projeto "1001 Resenhas". 

Obrigado, do fundo do meu coração. ;)

Seria ótimo se vcs tb lessem a "Lua Vermelha", ao menos os primeiros capítulos, para colocarem aqui a opinião de vcs sobre a obra de Ananda Gron.  


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