"Estrelas em Queda" | M. L. Volkweis

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- Se essa louça não é minha... Quem estava aqui enquanto eu estava fora? - sorriu enquanto mordia mais um dos deliciosos recém preparados biscoitos. Reparou que sua mãe pareceu congelar por um instante. - Não é comum recebermos visitas, sabe...

- Ah, sim... A senhora Lurdes, da casa ao lado... Ofereci alguns biscoitos pra ela... - virou sorrindo para olhar a filha. - Já que você demorou... - terminou de lavar o último copo, secou suas mãos e um pano de prato próximo, o qual deixou sobre a mesa e bagunçou o cabelo de Áurea enquanto passava por ela. - Vou terminar algumas plantas lá em cima.

Quis começar por esse breve diálogo entre Áurea e a mãe porque, apesar da estrutura ser muito simples, falas entrecortadas por pequenas ações, ela funciona muito bem. E funciona porque ela conduz o leitor pela cena, pelo ambiente em que os personagens estão inseridos. Por meio desta ação enxergamos a mãe lavando a louça na pia, imaginamos a posição das duas na cozinha, identificamos os sons, talvez os jogos de olhares. Ou seja, escapamos da simples fala das personagens e ampliamos nossa visão ao redor delas.

Perceba como "terminou de lavar o último copo, secou suas mãos e um pano de prato próximo, o qual deixou sobre a mesa e bagunçou o cabelo de Áurea enquanto passava por ela." é um intervalo em silêncio entre as duas personagens, ocupado pelo provável som da água na torneira, dos movimentos da mãe secando o pano e o guardando. Um silêncio em que ambas possivelmente estão pensando. Áurea provavelmente na resposta da mãe, na estranheza da visita que ela recebera, e a mãe na verdade que escondera ou simplesmente no trabalho que terá de fazer ao longo da noite.

São essas pequenas dinâmicas que tornam a interação entre os personagens mais palpável para o leitor, pois passamos a "vê-los" em ação, em seu dia-a-dia, dentro do cenário em que ocorre a cena. Como já afirmei na resenha de "A.M.A.R." de Henggo, personagens que interagem num quarto branco parecem mais superficiais, fantoches suspensos no ar, pois no mundo "real" nós sempre estaremos envolvidos por um cenário, seja ele um quarto ou um descampado sob às estrelas. Sempre estaremos fazendo alguma coisa enquanto falamos, seja pensando ou notando algo.

As vezes falamos com um amigo, distraídos, e perdemos alguns segundos analisando uma mancha encardida em sua camisa branca, ou lembramos de uma conta que não podemos deixar de pagar. Por mais interessante que seja a conversa com alguém nossa mente nunca estará estagnada apenas naquele assunto, no mínimo ela buscará referências e relações sobre ele. E colocar essas pequenas ações na cena, que revelam um pouco do interior dos personagens, contribui muito para torná-las mais reais.

Deixa eu fazer um adendo rápido aqui.

Esse diálogo está com excesso de reticências. Quando usamos demais uma ferramenta, ela perde força. A reticência serve para marcar a continuidade de uma ação, interromper uma ação qualquer ou representar hesitações. "A senhora Lurdes, da casa ao lado... Ofereci alguns biscoitos pra ela..." Nesses dois casos, por exemplo, as reticências não cumprem bem o seu papel e acabam por empalidecer as outras que cumprem.

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