– Eu sei mais ou menos onde fica – respondo, vendo o mapa aberto no painel. – Mas já está escuro... ai, eu odeio fazer essas coisas à noite.

– Sua mãe deixa você pegar o carro sempre? – pergunta um Matheus meio iluminado ao meu lado.

– Ela ficou bem mais tolerante desde o episódio do tribunal – respondo. – Mas no geral, ela sempre me emprestou pra eu sair com meus amigos.

– E ela sabe que a você tá saindo com seus amigos pra procurar um tesouro?

– Não, mas se ela soubesse até se ofereceria pra vir junto.

– Ah, às vezes esqueço que seus pais foram historiadores. Será que eles não seriam úteis nesse momento também?

Meus pais sempre me ajudaram a resolver muitos problemas pessoais. Certa vez, quando perdi um DVD da locadora, eles dirigiram até uma locadora da cidade vizinha só para comprar uma nova cópia. Aí pude devolver a tempo, sem nem ganhar uma multa. Mas esse tipo de ajuda nem se compara ao que estamos fazendo agora. Tenho medo que uma 'ajuda' sirva de gatilho para religar a carência emocional que ambos estamos tentando superar.

– Acho que não ajudariam – respondo. – Já estamos progredindo sozinhos.

Um 'tloc' soa na porta atrás de mim e Laura pula pra dentro do carro.

– Desculpa a demora, gente – responde ela. – Tive que enrolar meu pai... ele tá meio chato desde que a gente foi presa. Toma, Matheus, eu trouxe lanternas!

Laura empurra uma bolsa para Matheus no banco da frente. Ele abre e eu vejo lanternas, luvas de borracha e um pacote fechado de grampos de varal.

– Pra quê isso? – pergunta Matheus, puxando o pacote de grampos.

– Bom, a gente vai entrar no esgoto, né? Eu é que não quero ficar cheirando. Você quer?

– É um túnel desativado – responde Matheus, sorrindo. – Não tem esgoto lá há uns cinquenta anos.

– Só por precaução – responde Laura, com vigor.

Eu dou partida no carro e avançamos pela avenida de Shamestore. As ruas estão molhadas por um chuvisco mínimo caindo do céu. É realmente muito sutil. Não fossem pelas pessoas de guarda-chuva nas calçadas eu nem diria que está chovendo. Viro uma curva no meio de dois condomínios e entro numa rua esburacada que leva ao Worlitz.

– Devagar – diz Laura, chacoalhando atrás de mim. – Eu não quero atropelar um veado.

– Não tem veados aqui – responde Matheus, se segurando na porta. – Só no norte do país.

– Eu vi uma placa – responde Laura.

– É só um símbolo. Significa que animais atravessam pela estrada. Tipo bois, vacas e tal. Mas eu concordo com a parte de irmos mais devagar!

Desacelero o carro, mantendo o foco à frente. Está escuro como breu no capim que cerca a estrada. Muitos mosquitinhos batem no para-brisa, misturando-se com as gotículas de chuva, mas nenhum outro animal à vista. Duas ou três luzes surgem no horizonte indicando que há casas por perto. É o bairro Worlitz, um dos mais afastados, aproximando-se de nós.

Estaciono o carro embaixo de uma árvore, bem na frente do frigorífico do mapa. É uma construção pálida, imensa, iluminada apenas pela pouca luz vinda do céu. Direciono os faróis para dentro dos portões e temos uma visão fantasmagórica do prédio. As janelas são escuras e quebradas. Não todas, mas a maioria. Não há veículos dentro da garagem e nem guardas na guarita vazia. Eu me pergunto se de fato alguém trabalha ali mesmo.

A Teoria da Bolha de SabãoWhere stories live. Discover now