Capítulo 2

107 4 1
                                    

– Querida, eu não me importo com quem pediu a salada e o chá. Eu só quero que a mesa dez me pague.

– Mas a salada não era pra mim, entende? Quero devolver!

Segurando uma mão no bloquinho e outra na cintura, a garçonete fica ainda mais desagradável. Já estamos presas nessa discussão há quase vinte minutos. Ela revira os olhos sem dizer nada e eu explodo:

– Porra, toma aqui, toma – pago pelo que Laura pediu e anoto mentalmente para cobrar mais tarde.

– Obrigada querida – ela responde, sorrindo. Depois que recolhe o chá, a salada, e a xícara vazia, volta para detrás do balcão. "Querida" deve significar "filha da puta" na linguagem das garçonetes. Ao menos, é como eu olharia pros clientes se trabalhasse numa praça de alimentação.

A chuva no lado de fora ainda não cessou e isso me dá vontade de comprar mais café. O problema é que agora meus estudos custam uma pequena fortuna e tenho a obrigação de me controlar. As horas correm, o tempo melhora e, antes que eu perceba, chega o meio dia. Sinto-me desconfortável com a falaçada das pessoas somada ao tilintar de talheres nas mesas ao redor, portanto eu levanto da cadeira e saio do shopping.

Seguro o bilhete de John firme no bolso e, resistindo à tentação de ler, sigo por um longo corredor com setas indicando a biblioteca. Bibliotecas sempre me atraíram mais que outros lugares. Quando pequena, eu passava bastante tempo sozinha e devorava todos os livros possíveis, enquanto meus pais viajavam em busca de tumbas antigas e restos mortais. Infelizmente, isso é o pior de ter pais historiadores, a ausência. Raramente eu os via em casa e quando os via, não recebia muita atenção. Viviam ocupados demais no escritório planejando novas escavações. Isso só mudou quando eu fiz oito anos:

– Papai, eu quero falar com você! – lá estava eu, a pequena Christa puxando a barra da calça do pai, como sempre quando o encontrava em casa.

– Que foi, filha? – ele respondeu, arrumando os óculos – Papai não pode olhar agora, é um projeto muito importante.

– Mas eu quero falar com você! – retruquei, pondo as pequenas mãos na cintura. – Vamos ter uma conversa muito séria e pôr as cartas na mesa!

Os pais nunca reagem da forma como esperamos. Papai virou-se pra mim arregalado e me conduziu até a sala, onde mamãe passava um vestido. Depois tivemos uma séria conversa a três.

– É o seguinte – falei com muita convicção para alguém de oito anos –, a Carolina é uma babá "mais que boa", só que eu preciso de vocês sempre na minha vida.

Eles esperaram calados enquanto eu falava e concordaram com a maioria dos meus argumentos. Nas semanas seguintes, os dois venderam as grandes descobertas estocadas no porão, doaram muitas delas para museus famosos e se aposentaram para assumir o cargo integral de pais corujas. Com certeza eu fui mimada mais que qualquer outra adolescente nesse planeta. Devo ter adquirido essa personalidade, devido à infância solitária, combinada à adolescência abafada.

Acho que a biblioteca é a maior construção do campus. Um prédio azul de estilo vitoriano com colunas de mármore de três metros. Termino o corredor num cenário diferente do shopping, mergulhando no jardim de estátuas e fontes d'água, que me lembra duma Itália pós-moderna na minha imaginação.

Subo o lance de escadas e ao entrar no prédio, me deixo perder na quietude do labirinto de estantes e histórias. A biblioteca da Universidade de Shamestore me lembra um templo antigo, sem câmeras de segurança ou outras tecnologias. É como se fosse feita para pessoas que não querem ser notadas, como eu. Vejo poucos estudantes curiosos. A grande maioria está sentada nos fundos do salão, nas mesas reservadas para pesquisas em grupo.

A Teoria da Bolha de SabãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora