Capítulo 6

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Às seis e vinte da tarde, o meu estômago ronca ao mesmo tempo que o celular pousado perto do travesseiro. Estico o corpo nos lençóis macios da cama, tateio pelo colchão, e localizo o aparelho:

"Vamos mesmo sair hoje à noite?"

Com esforço, eu me sento de pernas cruzadas, semicerrando os olhos para o quarto escuro. Alguém se deu ao trabalho de fechar as cortinas e ofuscar a luz do sol, enquanto eu dormia.

"Pode ser. Quer ir aonde?", envio a Rex em resposta. Não o adicionei nos contatos, mas sei que só pode ser ele.

Num primeiro momento, eu imagino que meus pais ainda estejam ausentes, mas sinto cheiro de café. Calço as pantufas azuis, cubro meus cabelos embaraçados com um gorro de lã e desço as escadas. O clima de final da tarde é frio e agradável, típico de inverno. Dentro da cozinha, no entanto, o clima é outro.

Estranhamente, papai está sentado no balcão de mármore, escrevendo a sua trigésima coluna para a revista de paleontologia. Ele não costuma escrever fora do escritório, então deve haver alguma coisa errada.

– Bom dia – digo, ao passar por ele. Mas ao invés de responder, papai simplesmente levanta os olhos pra mim e sorri.

Do outro lado da porta de vidro, que liga a cozinha à lavanderia, vejo mamãe jogando roupas dentro da máquina de lavar, num ritmo constante, sem se interromper nem para secar o suor. Tento chamar a sua atenção com um aceno, mas ela ignora.

– Tá tudo bem entre vocês? – apanho o leite e o achocolatado na geladeira e sento com ele no balcão.

Papai para de digitar e espia o reflexo dela no forno.

– Está mais ou menos – ele responde.

– O que você fez?

Eu fazendo uma pergunta dessas ao meu pai, é o mesmo que você ouvindo outra pessoa contar o que sonhou na noite passada: você pergunta, escuta, concorda, mas no fundo não se importa realmente com uma única palavra.

– Comentei com a sua mãe que íamos sair e pedi pra ela se aprontar – ele sussurra, pondo o notebook de lado. – Ela se produziu toda e aí quando deu meio dia, nós fomos até a casa do seu tio Breno e só faltou ela me estrangular. Acho que a Sanah pensou que íamos almoçar fora, ou algo assim.

– Você esqueceu alguma data? – pergunto, misturando o leite com a colher.

– Aí é que tá – papai põe a mão inteira na testa, como se fizesse esforço para pensar –, nove de fevereiro não me remete nada de importante. Você não lembra de nada?

– Não lembro. Mas eu também ficaria puta se você me fizesse visitar o tio Breno. Quem não ficaria?

Ele balança a cabeça, concordando vagamente.

– Sei lá, talvez seja isso mesmo.

O meu celular vibra no bolso do pijama. Retiro e leio a resposta de Rex:

"Ta bom. Aqui tem o Restaurante Ruella, ideal para primeiros encontros. Mas caso não tenha como vir, há um parque de diversões aberto essa semana aí em Lovesbreath. Posso dirigir até aí se quiser"

Espera um minuto. Vou ler de novo.

"Não acredito", penso, entrementes. "Rex chamou isso de encontro." Quer dizer... está escrito ENCONTRO ali, com todas as letras. A minha garganta se contrai com essa palavra e fico horrorizada por vários motivos:

Primeiro que obviamente esse jantar deve ser casual, pra gente conversar apenas sobre o John. Segundo que Rex é um cara legal. Do tipo... mais legal que eu achei que ele era, e isso é complicado porque ele também é bonito. Eu nunca saí com alguém legal e bonito antes na vida. E terceiro que se fosse mesmo um encontro... que diabos se faz num encontro? Eu não sei se quero me encontrar com alguém.

A Teoria da Bolha de SabãoWhere stories live. Discover now