Capítulo 9

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Laura

Começo a passar mal, antes mesmo de deixar o ponto de ônibus. Assim que Matheus e Christa vão à Lovesbreath, eu amarro os cabelos para trás e deixo-os balançarem para cima e para baixo, enquanto corro o mais rápido possível de volta para casa. São apenas cinco minutos a pé entre a minha casa e a universidade, mas com meio mundo no estômago e um sol de rachar, parece uma maldita eternidade.

Tenho sorte de a avenida não estar tão cheia neste horário, porque não aguento que fiquem me olhando antes que eu faça. Quando, enfim, alcanço os portões, largo um "oi" automático para Joel ao passar por ele, subo as escadas e me curvo diante do vaso sanitário.

Eu poderia ter feito lá no banheiro do shopping, mas tive medo que Christa percebesse o meu hálito. Então aguardei até estar sozinha, em casa, na segurança do meu próprio lar. O meu estômago começa a dar pontadas, – agora sem nenhum vestígio do sushi que comi de manhã –, e entendo que é hora de parar. Dou descarga, escovo os dentes e vou a cozinha checar a minha lista de afazeres diária.

O lado positivo de ficar sozinha no almoço, é que tenho um precioso tempo para pensar diariamente. Meu pai está na empresa, pois seu horário é das sete da manhã às quatro da tarde, sem interrupções. Já a minha mãe, que eu não vejo há quase uma semana inteira, deve estar na casa da vovó, onde ela sempre diz que vai.

Já o lado negativo de ficar sozinha, é que nossa casa é grande demais só para mim. Tem quartos, escadarias e como diria Christa, portas brancas demais, então também há espaço para o excesso de pensamentos negativos. Nesses últimos dias, infelizmente, são eles que envenenam o ambiente.

Vejo John em cada reflexo, seja diante do espelho ou nas taças de prata da mesa do corredor. Ouço a voz dele me chamar no rádio, nas conversas alheias e no som da natureza, quando chove forte ou venta pela gretinha da janela entreaberta. Cada detalhe me remete a uma lembrança. Eu não quero mais senti-lo, ama-lo, saber que ele se foi. Mas se eu tento parar, ele retorna mais vivo que nunca e não há nada a fazer senão pensar.

Tudo o que eu sei a respeito da sua morte é o que ele escreveu naquela maldita carta. Me sinto estranha ao pensar na carta de uma forma tão fria, mas é o que é. As malditas palavras que o John escreveu antes de ser tão... Antes de... Argh! Para de pensar nisso! Chega, Laura. Está a hora de ser racional. Eu preciso entender o que ele escreveu e não me precipitar.

Com certa apreensão, desbloqueio o celular e procuro no bloco de notas o lembrete: "Planu da Laura :*", aberto há vinte horas, e releio o que eu estive planejando fazer hoje. São coisas demais para executar em apenas uma hora, mas é todo o tempo que eu consegui. As reuniões do papai não demoram mais que isso. Respiro fundo, dou uma olhada no relógio e envio uma mensagem à Mary:

"Ooii é a Laura. Sao quaze 13:15, tudo ok?"

Mary é uma conhecida do ensino fundamental, da época em que eu tinha uma rodinha diferente de amigos, grandes expectativas para o futuro, mas nenhuma ideia do que fazer exatamente. Mesmo que nós duas nunca tivemos uma conversa de verdade, ela me emprestava as tarefas para copiar e nos dávamos bem. Desde que li a carta de John, resolvi que seria uma boa ideia recuperar o número dela e retomar contato.

Meu celular vibra e leio a mensagem de Mary:

"Garota, seu pai passou aqui agora. Meu coração gelou. Ele está subindo as escadas pra sala. Vem já que eu te pego no estacionamento!".

Na mesma hora, eu mudo para a tela do bloco de notas e tateio por cima do micro-ondas até encontrar a caneta, jogada dentro de uma cestinha com feijões. Destampo-a e transcrevo atentamente os oito dígitos que talvez trarão um pouco de justiça ao mundo hoje. Arranco a folha, guardo-a no meu bolso junto com a identidade, um velho aparelho celular e saio porta afora novamente.

A Teoria da Bolha de SabãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora